Força e realização
Minha mãe, aos 50 anos, sozinha num consultório médico, no dia vinte e quatro de julho de 2011, tomou conhecimento de diagnóstico de câncer no seio. No segundo dia chamou a família – meu pai, eu e minha irmã – e abriu o seu coração. Aparentemente forte, com olhos secos, fixou o olhar em cada um de nós e iniciou o diálogo falando:
Sabemos que o nosso dia chegará e, pelo visto, o meu será abreviado. Normal, assim como já aconteceu com inúmeras pessoas que conhecemos. Passei a noite sem dormir pensando em cada palavra que falaria hoje mas, agora, bem mais calma, penso que não será necessário escolher palavras para falar o que penso sobre a morte. Não! Prefiro falar em partida. A partida faz parte do caminho e eu não sei quanto tempo ainda terei “deste” caminho ao lado de vocês.
Prometí à mim mesma que lutarei com todas as forças para fazer o tratamento da melhor forma e viver intensamente os meses que me restam, ou serão anos?
A notícia me pegou de surpresa mas, por outro lado, brotou em mim um turbilhão de sentimentos que estavam escondidos. Eu os desconhecia.
Sei que sempre pedí muito a vocês, mas hoje pedirei mais ainda porque a vida constantemente “pede muita coisa”.
Espero que me apoiem sem pena, que continuem suas vidas normalmente como se o meu amanhã nunca fosse chegar, que busquem entender todas as minhas falhas e que, a medida que os dias forem passando, tentem pensar que cada um é responsável por suas escolhas e eu sou somente uma mulher-mãe que até hoje tentei apoiá-los, sem qualquer poder de mudar coisa alguma no curso das suas vidas.
Espero que continuemos vivendo com paz e equilíbrio, com energia e bom humor, para que a minha partida seja leve. É o que quero.
Tudo o que até hoje me pouparam, por favor não o façam mais. À medida das minhas possibilidades, tentarei viver cada dia como se fosse um mês e farei (já sei o que pensaram) muitas ambrosias, bolo de cenoura com chocolate e sorvete de morango.
Pensem que o menos é sempre mais e que vivemos até aquí, mesmo humildemente, uma vida rica em trocas e bons sentimentos.
E agora, por favor, deixem-me e corram para os seus trabalhos. A vida segue o seu curso e não mais falaremos nisto. Prometam?
E assim aconteceu. No período de um ano meu pai ganhou, no trabalho, uma promoção por mérito, eu finalizei meu TCC e minha irmã, finalmente, realizou o seu maior sonho, apresentar-se no Theatro Municipal dançando balê no dia vinte e oito de julho de 2013. Na plateia, na primeira fila, minha mãe atenta, serena, se destacava com um lindo lenço violeta adornando a sua cabeça e um largo sorriso, dois dias antes de partir. O seu brilho, o maior de todos, ficou guardado alí, realizado, transportado em nossas lembranças para sempre.