USE e ABUSE

Use do amor para encantar: mas não use tudo de uma vez: pouco se sabe daqueles que recebem e levam numa boa: normalmente se mal acostuma.

E o humano, mal acostumado, passa a ser humano: ambiciona ser quem jamais será: usa e abusa: garante ter razão em tudo: certifica-se de nada: é humano, humano de mão cheia: sempre a carregar algum vazio.

Não os alimente. Ainda que pareçam maioria. Ainda que mordam. Que babem. Que sejam: mas não lhes mal acostume.

Use do amor, e sempre, mas com parcimônia. Amor não é dinheiro, não dói no bolso. Amor não é o carro que se exibe a quem nem conhece. Amor não é abstrato: como pensam os seres de todas as certezas. Amor: seja dilema: dilema seja fato: fato é sempre coisa: amor com amor se sente, inclusive sem amor.

Use assim, rapante, use assim, triscando, use assim, mas use sempre: seja amor seja sempre.

Sabe o último dominó da torre? Seria carta de uma torre de baralho e a atenção nem seria a mesma? Deixa também você o torresminho mais crocante para a derradeira garfada? Sobrou apenas um cigarro então no meio de uma estrada: fumá-lo agora, fumá-lo depois? A mais bela das canções nos remete a uma saudade aguda: isso não merece um bis? O cinema inteiro sabe: o melhor filme de nossas vidas nos teve por quantas vezes na platéia?

La Gioconda disse ‘parla’ apenas por remedar o criador. Esperou uns três séculos para tanto: competia com o autor pela vez da eternidade. O girassol contorce a curiosidade da criança sem perceber que ambos preferem a luz acesa. Amigos de verdade se despedem sempre com a vaga sensação de que o apreço é uma forma de invasão. Ou seja, estamos sempre a reparar. É isso: o espelho a nós nos interessa; não o reflexo, mas a reflexão. Precisamos competir com a imagem que o espelho nos avisa, somos repetitivos, enfatizamos o alvo, amamo-nos quando nos acusamos, e nos acusamos para provar que há amor.

Há histeria dentro da gente. Use do amor, use e abuse, use sempre, mas com jeito. Na minimidade. Há um colapso na esperança. Use do amor, coloque-se ao pé de si quando aqui está o outro, coloque-me em pé quando desejar olhar para cima, ajoelhemo-nos se o caso é olhar nos olhos. Use do amor.

Quando morre uma celebridade morre a estrela ou a pessoa? Célebre ou celebridade? Velado está o amor em quem não sente, em quem não manifesta o que percebe, em quem se esconde da coragem.

Há amor para esses também.

O amor não depende da posição em que se encontra. Use do amor sem fazer pose. Use do amor ainda que façam pose. O amor não excede não pontua pouco sinaliza nem sabe ser coisa menos que amor.

O amor chamará sempre a atenção.

E então: você está esperando o que para poder virar notícia?