Toda menina sangra?!?
"ah.. eu não sou mais que uma mulher fatigada diante de todo este tempo" - pensou, irritantemente. Estava claro que sua [im]paciência procedia do cansaço...
As pernas pareciam batatas carbonizadas. Derretidas pelo cansaço de enfrentar sol e chuva, depois sol e sol.. depois chuva...
Era só uma menina sem verso, sem lenço, sem documento ou passado. Fumou um cigarro, certa de que se intoxicava. Parou, olhou a estrada e sentou no meio-fio, que neste instante lhe [a]pareceu tão grande.. de um espaço que lhe cabia dentro, com sua miudez de sentimentos nobres e seus sentimentos divinos.
"Todas as meninas sangram?" " Não, só algumas" " E quando eu vou parar de sangrar pelo peito?!?" respirou. Engoliu a angústia exasperada, a raiva, o rancor, o medo, o dia terrível... Engoliu-se toda, pra ver se não restava pedaço. Mas o que ocorreu foi a coisa mais inusitada do mundo: explodiu-se...
Apressou-se em olhar no espelho para ver pedaço. Viu um inteiriço de cores, espaços, sorrisos, caras pintadas e máscaras por cima de si mesma. Viu-se nua, depois vestida demais, depois fora de moda, depois destoante do universo. E viu-se vestida de lua... Vestida de verso feito só pra ele.. Mas ele não viria, moça, deixa de bobagem!! Eles só vem quando a saudade faz desdém... Eles só vem quando a lua dança.. e o sol se move.. e a latitude se transborda e lhes retira o ar.
Rabiscou, rascunhou pedaços de diálogos anteriores, até mesmo os nunca ditos. Rascunhou rabiscos divinos, preces, novenas, acendeu vela ao santo e pôs o Santo Antônio de castigo.
Dançou na chuva uma dança em terreno íngreme, aprendeu a lidar com as dores de si mesma, as que aparecem por fora, porque aquelas mais íntimas.... E perguntou denovo: "mãe, tem certeza que toda menina sangra?" E a mãe lhe mostrou o todo vermelho que lhe pingava das últimas veias esperançosas....