O Surto de Diamantina
O Surto de Diamantina
Autor: Christian Souza Lima
Diamantina volta a se encontrar com Jeremias nas ruas da Cidade de Profecia e a chegar a sua casa com atrasos de horas. Os pais começam a desconfiar das desculpas:
-Hoje teve ensaio para a audição de fim de ano. – Desculpava-se uma vez.
-Ontem teve plantão de duvidas na aula de francês e... – Desculpava-se outra vez.
Numa noite seu pai, o Comendador Emiliano recebe o Cadete Cesar, filho de um industriário. Após o toque da campainha, Emiliano vai até o portão e diz surpreso:
-Que bons ventos trazem a visita de um cadete varonil? Por favor, entre.
-Venho a Vossa Senhoria trazer-lhe um convite de meu pai, Adalvino. Ele receberá o diploma de Cidadão Propfeciano e convida o Nobre Comendador e Madame Rosalina.
-Pois entre e esteja convidado a jantar conosco.
Diamantina chega alguns instantes depois temendo por não ter tido tempo de elaborar uma desculpa eficiente. Diz: - Benção pai, benção mãe!
-Minha filha, este é Cesar. Ele é educado, culto, responsável... Jantará conosco hoje.
-Boa noite. – Diz Diamantina sem mostrar empolgação pelos atributos de Cesar.
-Meu caro Cesar, esta é minha princesa Diamantina. – Apresenta Emiliano.
Madame Rosalina entra na frente dos três e de modo empolgado dá seu recado:
-Diamantina está voltando do ensaio de piano, ela tem um talento incrível. Fala três idiomas e passou em nono lugar no vestibular da Faculdade Teológica de Profecia.
-Encantado princesa. – Diz o cadete Cesar.
-Ele é rico... – Diz Emiliano baixinho no ouvido de Rosalina. Depois coça o bigode, gesticula com as mãos e diz:
-Ora vamos, vamos, vamos... Não façamos cerimônia. Vamos ao jantar.
Diamantina não precisou dar desculpas e ainda lhe atribuíram virtudes. O evento de Adalvino seria após dois meses, mas Cesar visita sua casa regularmente e seus pais ordenam que ela falte às aulas caso as mesmas coincidissem com a visita do cadete.
Diamantina era obrigada a conversar com Cesar porque seus pais os deixavam a sós por alguns instantes, até que Cesar pede a sua mão em plena mesa de um dos jantares.
-De minha parte tens a benção e me daria muito gosto como genro. – Diz Rosalina.
-Faço das palavras de minha esposa as minhas meu jovem varão. – Diz Emiliano.
-Vou pensar. – Balbucia Diamantina rubra de vergonha.
- Com todo respeito verás que minha proposta é irrecusável. – Garante Cesar.
Uma festa acontece na mansão de Diamantina. Seus pais comemoravam Bodas de Prata. Nos cumprimentos Emiliano e Rosalina anunciavam Cesar como futuro genro.
-Bem vindo Vossa Magnificência, o reitor da Faculdade de Profecia. Apresento-lhe minha Diamantina e seu futuro esposo, o nobre Cadete Cesar. – Dizia o pomposo Emiliano.
-Agradeço a honra de sua presença Lady Edith. Esses são meus dois pombinhos... Minha filha Diamantina e meu genro Cesar. – Dizia Rosalina para uma amiga da família.
Tudo seguia bem. O sol dourando os rostos através da fina cortina rendada. As crianças apertadas por finos trajes se olhavam e não podiam fazer barulho e havia músicos tocando belas valsas. Diamantina dançou com Cesar e prometera para os primos que tocaria o piano. Ela sorria mordendo os lábios e escondendo suas desajeitadas mãos com luvas brancas.
O jantar estava servido quando Diamantina rompe o silêncio. Para o espanto dos presentes a menina dos olhos morteiros que eram como diamantes quando olhavam Jeremias, grita, esbraveja e diz um “não” ao invés dos “sins” até para coisas que não podia cumprir.
-Não... Eu não o amo. Não posso amar a Cesar e jamais me casarei com ele. – Bradou
-Eu trabalhei igual a um mouro para pagar sua educação para você jogar o nome da família na lama? – Indaga seu pai. O pasmo Comendador Emiliano.
A face de Rosalina fica gélida de pavor. Estava com vergonha, mas tinha nos olhos o brilho de admiração pela filha que fizera o que ela sempre tivera vontade, mas lhe faltava coragem: “lutar pelo que acreditava”. Ela disse “não”. Esse “não” significou um “sim” para caminhar rumo aos braços de Jeremias. Esse “não” significou um “sim” para a sua felicidade.
O comendador ficou rubro de raiva e vergonha. Dona Rosalina, gélida e pavorosa, mas admirada. Os rapazes tiravam e colocavam as mãos nos bolsos. Senhores dão fim aos charutos. Senhoras cutucavam os colares e senhoritas desconcertadas mexiam nos cabelos. Ouvia-se somente o barulho dos movimentos como num cinema mudo de constrangimentos.
-Oba. Agora posso brincar de mímica também? – Pergunta uma das crianças.
-Por que me olham assim? O que querem de mim? Com certeza não é o mesmo que eu quero. – Explode mais uma vez Diamantina.
O espetáculo estava no meio e os convidados estavam perturbados por ela decidir acreditar em si mesma e por trocar tal pretendente por Jeremias. Mas quem era este?
-Jeremias. Jeremias. – Grita Diamantina
-Não repita este nome. – Repreende Emiliano.
-Ingrata. – Grita um dos presentes embalado por olhares de condenação.
Cesar se atira no chão tentando agarrá-la pelos pés. Ela se afasta rasgando seu fino xale. Urra quebrando algumas finas porcelanas e atira a garrafa do nobre espumante...
-Eu posso lhe dar um reinado. - Diz Cesar inconformado.
Aos berros, Diamantina puxa os próprios cabelos e logo chega um homem de branco auxiliado por dois enfermeiros que conseguem sedá-la com o conteúdo de uma seringa.
-Esquizofrenia? – Sugere o médico olhando para os pais. – Em Profecia é comum jovens de família como a do comendador, apresentar alguns dos sintomas como: ficarem arredios, respondões ou birrentos por dias. Esperam a ocasião em família ou casa cheia para surtarem e então os encaminho para o setor de psiquiatria. – Finaliza o médico.
Convidados que meneavam a cabeça em tom de censura, agora olham resignadamente para ela. Conheciam casos de jovens ditos “esquisitões” onde se rebelam, têm mania de perseguição, cacoetes e falam em ocasiões indevidas contrariando seu jeito tímido. Ficam desobedientes e esquecidos como acontecia com Diamantina ultimamente. Mas, o que os intrigava era que a “esquizofrenia” escolhia justo os jovens de famílias consideradas de envergadura moral, as quais aparentavam ajuste psicológico em festas e em seus lares tinham atitudes contrarias ao seu código de ética e crença. Os ditos “esquisitões” poderiam diagnosticar que a doença dos familiares era: “hipocrisia”.
Emiliano anuncia o encerramento da cerimônia. Num gesto mudo despensa os convidados. Homens abaixam os chapéus, mulheres escondem suas faces, rapazes colocam as mãos nos bolsos e moças tinham o brilho nos olhos de quem se imagina interpretando a personagem Diamantina fazendo valer seus direitos, mas cochichavam umas com as outras:
-Você viu que escândalo? Que vexame meu Deus!
No final, homens, mulheres e crianças cruzaram o portão da elegante mansão admirando em segredo o grande espetáculo chamado: “O Surto de Diamantina”.