Jennifer - Marina
O céu nublado, uma mente mal intencionada.
Aquela linda menininha, com a cabeça rodando. Nove anos é uma boa idade.
Ela estava ansiosa.
Há dias vinha torturando seu porquinho-da-índia e arrancando as penas de seu canarinho.
Mas já não sentia mais prazer em fazer isso. Ora, são animais. Eles não sentem dor.
Pegou uma caneta preta, colocou-a no bolso de sua jaqueta. Lá fora fazia frio.
É criança, mas sabe que se não usar sua jaqueta, ficará resfriada.
Digamos que saiba o que é certo e o que é errado.
E aquilo que estava para fazer, era errado.
Muito errado.
Mas ela precisava fazer. Estava atormentada. Não aguentava mais a tensão em suas pálpebras.
Não aguentava mais dormir pensando nas várias formas de torturar uma pessoa.
Queria torturar as coleguinhas da escolinha, seu irmão mais velho e seus pais.
Queria atacar um desconhecido na rua, usando seu charme de criança.
Não sentia como se fosse uma criança. Com certeza sua cabeça era bem mais evoluída que isso.
Uma criança-adulta.
Saiu pela porta da frente de casa, dando um beijinho no rosto da mãe e dizendo que iria à casa de Marina, sua coleguinha, brincar de casinha. Fariam um chá e uma janta para as bonecas.
Marina era praticamente sua vizinha, o bairro era tranquilo e ali não existia o mal. Era um lugar perfeito para morar. Menos para aquela menina. Essa menina se sentia presa, com toda essa segurança.
Pode-se dizer que era bem precoce para sua idade. Não gostava de bonecas. Preferia brincar com as facas da mamãe.
Quando chegou à casa de Marina, foi muito bem recebida por sua mãe. Lhe trouxe biscoitos de chocolate e um copo de leite morno. Ela comeu os biscoitos. Estavam horríveis. Tomou o leite. Estava azedo. Sorriu.
- Obrigada, tia. Onde está Marina?
- Lá em cima, suba as escadas e você verá o quarto dela. Está dormindo, mas você pode acordá-la. Ela vai gostar.
Subiu as escadas, virou à direita. Viu o quarto de Marina, todo rosa, cheio de bonecas imensas e impecavelmente arrumado.
Acordou Marina com um beijo no rosto. Venha, ela disse, vamos para a casa na árvore!
Subiram, então, as duas, para a casa na árvore. Uma casinha de bonecas, perfeita, rosa, arrumada.
Brincaram um pouco, Jennifer odiava aquilo. Odiava brincar. Perda de tempo.
Sugeriu uma nova brincadeira.
- Você senta ali na cadeira. Eu vou segurar seus braços e desenhar no seu rosto. Você tem que adivinhar o que estou desenhando. Se não adivinhar, paga um mico. Tudo bem?
- Tudo bem, Jenni.
Marina sentou-se na cadeira. Jennifer pegou um pedaço de fita – rosa, também – e amarrou os pulsos de Marina fortemente à cadeira.
Começou a desenhar. Primeiro nas bochecas, depois o queixo. Subiu para o nariz, a testa. Marina tentava adivinhar o que Jennifer desenhava, mas cada vez que acertava, Jennifer mudava o desenho, dizendo que havia errado.
Desceu um pouco. Olhos.
Aqueles lindos olhos castanho-amendoados. Belos olhos, pensou Jennifer. Pena que não enxergarão mais nada de hoje em diante.
Enfiou a caneta no olho esquerdo de Marina. Jennifer não pensava que Marina pudesse gritar. Pensava que as pessoas também não sentiam dor, como os animais.
Teve de pensar rapidamente. Pegou um vestidinho de boneca e colocou na boca de Marina, fazendo-a quase engoli-lo. Depois pegou uma calça de boneca, passando-a por trás da cabeça de Marina, amordaçando-a.
- Shhh. Você não sentirá dor. Será divertido. É só uma brincadeira.
Pegou novamente a caneta, enfiou-a novamente no olho esquerdo. Começou a remexê-la, girá-la. Cutucar o olho de Marina por dentro. Marina chorava e tentava gritar.
Jennifer não se importava. A sensação de machucar alguém é ótima, pensou. Continuou a mexer no olho de Marina, como uma cirurgiã.
Quando cansou do olho esquerdo, foi para o direito. Mesmo ritual. Sensação diferente. Fica cada vez melhor!, pensou.
Os olhos de Marina sangravam e sangravam, ela se contorcia na cadeira.
Cansou dos olhos. Espetou-a com a caneta na barriga, nos braços, nas pernas. Cravou a caneta com força na perna direita. E, quando cansou de torturar, começou a desenhar.
Com sangue, para ser mais exata. Molhava seus pequenos dedos no sangue de Marina e desenhava nas paredes. Lavava o cabelo das bonecas com o sangue de Marina.
Essa foi a primeira vez que gostou de bonecas.
Novamente, a sensação de insatisfação, de que estava faltando algo. O que mais poderia fazer? Não era tão criativa assim.
Pegou novamente a caneta. Enfiou-a no ouvido de Marina. Enfiava, tirava; enfiava, tirava. Marina continuava se mexendo sem parar, mas já sem forças.
Será que ela vai morrer?, pensou. Tomara.
Jennifer ainda não estava saciada. Ainda não conseguira sentir o prazer total de machucar uma pessoa.
Ali por perto havia uma maletinha com materiais de pintura e arte. Coisas básicas: lápis, borracha, régua, tintas. Tesoura.
Pegou a tesoura sem ponta e fez um corte de cabelo em Marina, sussurrando: “você vai ficar mais bonita depois de hoje, ninguém nunca terá um corte como o seu”.
Cortou os longos cabelos loiros e lisos de Marina, deixando apenas alguns tufos na cabeça. Pronto, agora está bonita, pensou.
Marina estava inconsciente, não aguentara a dor. Não faltaria muito para morrer.
Jennifer, vendo a situação, ficou preocupada.
E se ela morrer antes de eu ficar satisfeita?
Pegou a caneta novamente, golpeando Marina, inconsciente, com força, no peito. Furou toda sua caixa toráxica.
Estava quase conseguindo chegar ao êxtase.
Quando achou que chegaria, enfiou a caneta no coração de Marina.
Desceu as escadas da casa da árvore, sem um pingo de sangue em suas roupas. Estava sorrindo.
Chegou em casa, assistiu um pouco de televisão e foi para o seu quarto, pensando muito.
Como era fácil matar uma pessoa.
E como a sensação de bem-estar passa rápido.
Ela poderia matar mais uma pessoa naquele mesmo dia.
Mas resolveu deitar em sua cama, com os braços cruzados atrás da cabeça.
Fizera um bom trabalho.
Conseguia ouvir seu porquinho-da-índia agitado. Logo ela teria algum tempo para brincar com ele.
E foi assim que Jennifer, uma menina de nove anos, com cabelos ruivos compridos, rosto sardento e olhos verdes-esmeralda, começou sua vida psicopata.