A MULTIPLICAÇÃO DA RAPADURA

(versão nordestina de um capítulo do evangelho)

Assim que os seus seguidores retornaram da peregrinação, o Beato Milagreiro Severino Jesus os levou para um lugar isolado no meio da caatinga, para que, longe do assédio das pessoas, podessem descançar. Era, de fato, tanta gente procurando por eles que mal tinham tempo para comer. Entretanto, de nada adiantou fugirem para dentro da caatinga. As pessoas acabaram descobrindo e foram atrás deles. Lá, o o Beato Severino Jesus resolveu as receber e até curar algumas delas.

Enquanto isso, a tarde caía. Foi quando Nêgo Felipe e Tadeu da Neném chegaram ao Beato meio avexados:

--Santo Beato, tá ficando já de noitinha e aqui é fim de mundo. E adepois, a gente num tem tanto de comê. Num é mió, mandar este povo arredar?

--Carece, não -- respondeu Severino Jesus.

--E cuma é que eles vão se arranjar aqui sem comida? --argumentaram os dois.

O Beato Milagreiro, ao invés de responder, virou-se para um outro adepto seu que portava uma mochila e perguntou:

--Ô, Tomé: o que é que tu tem aí pra mode nóis comê?

--Quase nada, Santo Beato-- respondeu aquele seu seguidor.-- Só um taco de rapadura e dois punhadinhos de farinha.

--Ô xente, mió do que nada! -- exclamou Severino Jesus. Em seguida, ordenou: -- Mande o pessoá se assentar que já tá na hora da janta.

--Cuma?! -- espantou-se Tomé. --Ou o Santo Beato num me escutou ou tá pilheriando!

--Sou eu lá home de pilhéria! --retrucou firme Severino Jesus que, de novo, ordenou: --Mande o povo se assentar logo... não tô mandando?

--Mas, assunte, sinhô... --teimava Tomé.

--Deixe de conversa, home! --interrompeu já meio irritado o Beato, que logo se dirigiu a Tiago de Zé Bedeu, ali, ao seu lado, também: --Pegue lá o taco da rapadura e a farinha que vamo começar a distribuição.

E Tiago, desconfiado tanto quanto os demais, mas obediente, o atendeu imediatamente. Então, o Beato Milagreiro tomando o pedaço de rapadura e a porção de farinha, ergueu os "zóios pra riba" e deu graças a Deus. E lá foi partindo a rapadura que ía se multiplicando, e entregando aos seus seguidores para que distribuissem com o povo. E não era gente pouca, não. Havia para mais de cinco mil pessoas! Com a farinha, ele mandou que o saco que a condicionava, fosse passado de mão a mão para que todos se servissem. E o diacho do saco nunca se esvaziava. Foi farinha e rapadura que ninguém dava vencimento! E por último, ele ordenou:

--Num quero desperdice aqui. Comida tá danada de cara! Recoiam tudo que sobrá, tão etendendo?

E sobrou doze mochilas cheias de farinha e também doze cheias de rapadura.