NÃO SEI DIZER QUE TE AMO

A imagem que faço de você é um retrato: valer-me-ei eternamente da última impressão. A pior coisa que você me fez foi tratar-me tão bem – com aquela detestável sutileza, pela desnecessária companhia, no compartilhar das coisas mais humanas que se faz. Fosse você alguém de má fé e ninguém faria o mesmo, mas a pureza me horrorizou. O seu sorriso foi um desperdício, os anos todos: uma desocupação. A sua mais honesta coragem retirou-me do buraco. Quando se admira uma flor, a flor lhe envolve o coração. Quando se contempla a beleza, a beleza percorre o seu corpo. Quando se olha pro céu, alguma estrela captura a sua intenção. Um dia agradeço como se deve, por além do que se deve, como quem sempre deve. A minha frustração é não ter sido gigantesco. A minha vocação foi ser grotesco. Deixei-a na fome tantas vezes sem avisar, e ainda assim você me oferecia à mesa. A imagem que faço de mim é um filme, a impressão nunca faz eternidade. Não tenho coragem para ser retrato, não tenho tato com as coisas, não tenho liberdade com os vícios. Apeguei-me sem jamais perceber o precedente, agreguei sem jamais temer a opulência, amalgamei sem jamais pensar na conseqüência. A ideia que faço de mim não existe. O ocaso nunca pinta por acaso. O sol se frita e nem sempre fritará. O rio que corre nem sempre correrá. O verso fica, mas nem sempre ficará; mas entenda, entre você e o abismo há sempre apenas o abismo, e nem tudo o que perdemos são quedas, em seu caso é a volta por cima, no mundo do culto ao vencedor: levará você o troféu para casa! Apenas um estúpido adido dirá que o futuro sem mim é a sua alegria, apenas um estúpido destemido verá que você será tão feliz, apenas um estúpido surrado verá aliviado em mim o peso que saio de você, e com a voz atulhada de orgulho afastado falará com tamanha sinceridade: eu te amo. O amor para mim é um retrato, revela-me assim tão estúpido – te amo em segunda pessoa, e escrevo você na primeira, e como se eu fosse apenas terceira: pessoa que não tem sujeito, pessoas sem conjugações, alguém como eu me despeço, preciso nascer para amar quem me amou.