Luciana

Danilo estava no cinema, sozinho, pensando em como a vida o conduzira àquilo tudo. Foi casado, tinha 3 filhas. O casamento não deu certo, como é tão comum nos dias de hoje. Mas ele, não sendo um homem de aventuras, buscou sempre outra companheira, somente se deparando com mulheres que não queriam nada além de casos passageiros. Parece que nenhuma mulher hoje em dia quer compromisso, relacionamento sério. Não entendia o mundo atual.

Ele ganhava bem, era alto executivo de uma multinacional, culto, possuía um excelente bom gosto. Saíra com algumas mulheres, mas elas eram tão vazias, tão rasas, tão incapazes de sentir algo realmente profundo. Na verdade, estava vivendo em um mundo muito carente de pessoas interessantes, cultas, de bom gosto. A maioria das mulheres eram fúteis, vazias, destituídas de interesses maiores, gostavam de fofocas, liam revistas de modas, se vestiam para um exibicionismo sem sentido. Cadê a riqueza interior? A capacidade de amar, de se entregar, de sentir profundamente um verdadeiro carinho?

Estava sem paciência. Desistiu de investir em uma relação amorosa de verdade, que o fizesse morar novamente com uma mulher.

Denise era fascinante, mas se apaixonara por outro. Ele nada podia fazer. Se era assim que ela queria, tudo bem. Jamais manter ao seu lado quem não o queria mais. No início foi complicado, mas conseguiu superar. Eram amigos, principalmente por causa das filhas, já adultas, mas ainda solteiras. Não tinha nenhuma espécie de problemas com a família que se desfizera.

Tentou formar nova família, mas em vão. Buscava algo que parecia não mais existir mesmo. O jeito era se conformar com a solidão e o trabalho da empregada em casa. Até mesmo com amigas ele evitava sair. A conversinha era a pior possível. Insuportável aturar aquele imenso vazio existencial que cercava as pessoas que conhecia.

Reatara-lhe o Saulo, amigo de longa data. Mas ele, sendo casado, não possuía disponibilidade de tempo para desfrutarem de um bom jantar e uma conversa saudável.

Para agravar ainda mais, aos 63 anos, ele se olhava no espelho e achava-se velho. Por mais que a irmã lhe dissesse que isso não era verdadeiro, ele se via dessa forma. Marcela, sua irmã, apontava homens de sua idade que se casavam novamente e estavam muito felizes. Que ele poderia refazer a sua vida. Supondo que acreditasse na irmã e ainda não se visse como um velho, com quem teria um relacionamento em um mundo fútil como aquele? Porque a companheira teria que ser uma pessoa que, ao mesmo tempo em que lhe desse carinho e amor, deveria respeitar seus momentos de solidão, ocasiões em que se dedicava a ler seus livros, ouvir suas músicas, etc. Mas o que via eram mulheres, até mesmo maduras, tentando se comportar como garotinhas, com roupas ridículas, e que queriam se exibir em lugares públicos. Ele até gostava de sair, mas não com frequência ou para lugares infernalmente barulhentos. E ainda por cima, precisava de uma mulher que não esperasse que ele fosse um garotão de 20 anos, sexualmente obsessivo. Na idade dele, o carinho, o companheirismo e a dedicação era o que mais procurava.

Complicada a sua situação!

Ao sair do cinema, ao qual não prestara a mínima atenção, se esbarrou em uma mulher, aparentemente bem mais jovem do que ele, e se desculpou. Ela sorriu e disse: tudo bem, não precisa se desculpar, pois essas coisas acontecem. Ele ajudou-a a recolocar as coisas na bolsa, pois ela estava guardando os óculos quando se deu o esbarrão. O que viu deixou-lhe pasmo: celular, óculos, livro (e, impressionantemente, não eram os 50 tons de Cinza, e sim, um de autoria de Simone de Beauvoir), canetas, um bloco de papel e mais outras coisas. Simone de Beauvoir? Seria ela uma dessas feministas chatas? Ele a convidou para tomar um café. Ela disse que não precisava, mas ele insistiu, alegando que era uma forma de se desculpar. E foram ao café mais próximo. Ela pediu um lugar do lado externo, pois fumava muito.

Não se contendo, Danilo, de uma forma sutil, fez menção ao livro de Beauvoir. Ela disse que adorava aquele livro, pois os demais eram feministas e ela não suportava rótulos, pois era uma livre pensadora. Danilo viu a aliança e ficou chateado. Perguntou: Você é casada? Ela disse que sim, mas que não era algo muito simples de explicar, já que era livre para fazer o que quisesse. Ele se referiu ao casal Beauvoir-Sartre, que levavam uma vida independente, onde ele possuía amantes. Ela riu e disse que alguns casamentos podem simplesmente acabar, mas os dois permanecerem sob o mesmo teto. Daí o fato de ela estar no cinema sozinha.

Danilo achou aquilo muito estranho, mas respeitou. E seguiram conversando por horas. Descobriu que se tratava de uma senhora com pouco mais de 50 anos, apesar de aparentar bem menos; que era culta; que tinha um comportamento discreto, assim como suas roupas. Mas ela disse que havia falado demais e que preferia ir embora, pois não era hábito seu falar sobre sua vida particular.

Ele sentiu que não poderia perder o contato e perguntou-lhe se poderiam conversar outras vezes. Ela disse que sim, que há anos não conhecia ninguém, pois desde que algo ruim aconteceu em seu casamento, ela sentia vergonha de andar pelas ruas, pois já fora exposta demais. Com o marido, então, nem pensar. Mas que ele poderia telefonar-lhe, se tivesse vontade. E saiu, foi-se embora.

Danilo ficou cheio de expectativa, pois encontrara uma mulher rara, como ele sempre desejou ter. Tímido, ele custou a ter coragem de telefonar. Um pouco mais de um mês depois, sentindo que não parava de pensar nela, ele ligou. Ao atenderem, ele perguntou: Luciana, lembra-se de mim? O Danilo. O que ele ouviu gelou-lhe o coração. Não, aqui é a filha dela. Me desculpe, mas mamãe morreu. Ele ficou pasmo, parecia tão sadia, tão cheia de saúde e energia. Ele decidiu ser indiscreto e perguntou o que aconteceu, do que ela morreu? A filha disse que foi o caminho que ela escolheu. Ele agradeceu e desligou.

Luciana se matara. Por que não ligou antes? Poderia ter evitado (pretensão!), caso eles pudessem ter se tornado amigos ou, o que ele tanto queria, companheiros para sempre. Mas a vida não lhe dava mesmo trégua.

Danilo tomou um café, acendeu um cigarro, sentiu seus olhos arderem, mas não se permitiria chorar. Foi para casa triste, mas conformado. Morreria só, pois aquela mulher, Luciana, representou o sonho de toda uma vida, o que ele sempre buscara em um amor.

Somente a solidão o aguardava em casa. A triste e amarga solidão.

Campos dos Goytacazes, 10 de fevereiro de 2014 - 10:20 horas

Emar
Enviado por Emar em 10/02/2014
Reeditado em 10/02/2014
Código do texto: T4685297
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