Amigo secreto.

Chega o fim do ano e os detentos estão ansiosos para começar o amigo secreto.

Foi um ano muito difícil – assim como todos os outros –, mas a amizade é um dos sentimentos que alivia a tensão dos dias, dos meses e dos anos de confinamento na cadeia.

E a troca de presentes tem tudo para ser um sucesso, afinal, mais de 150 detentos confirmaram presença. Todos, acredite, de uma única cela.

José Carlos da Silva, o Zé da Morte, é quem vai começar a brincadeira. E com este apelido, quase ninguém tem coragem de contestar. Ele dá início à diversão:

- Bom…, meu amigo secreto é truta pra caramba! – diz Zé.

- É o Tutinha – arriscam alguns presidiários.

- Não, não é o Tutinha!!! - afirma Zé.

- É o Caveirinha!!! - diz um assassino lá na frente.

- É ele mesmo!!! - confirma Zé - Chega aí, Caveira!!!

- Êêêê!!! – comemora baixinho uma turminha do fundão com medo de chamar atenção dos guardas.

Todos estão curiosos para saber o que o Caveirinha ganhou. Se bem que não é algo tão surpreendente assim. É um celular.

Caveirinha dá meio passo à frente e continua a brincadeira:

- Animal, véio! Era o que eu queria! Pá! Seguinte: meu amigo secreto…, bem…, este cara eu não conheço muito…

Ninguém se arrisca em adivinhar quem é e ele continua:

- Ah, sei lá…, meu amigo secreto é o Zulão!

Somente dois ou três aplausos são escutados. E não era para menos. Zulão não é nada querido pelos seus colegas. É um cara muito esquisito e tem fama de ser briguento. Ele é temido por muita gente, inclusive pelos policiais.

Seu temperamento agressivo já resultou em muita pancadaria ali dentro. Não se sabe ao certo o que ele fez para estar na penitenciária, mas a pena de 28 anos de cana entrega que não foi coisa boa.

Muitos estranharam a sua participação em um momento tão descontraído e alegre. E mesmo sendo uma ocasião especial, muitos torciam para não tirar o Zulão de amigo secreto. Caveirinha não teve esta sorte.

Zulão então recebe o seu presente, acena com a cabeça e, após desembrulhar o pacote, tem uma reação contrária ao espírito natalino:

- Que porra é essa, Caveira?!?

- É…, é uma arma!!! Gostou do seu presente?!?

- Cê tá loco, mano?!? Eu não queria uma arma!!! - diz Zulão.

- Como não?!? - pergunta Caveirinha.

- Eu queria um celular!!! Vacilo hein!!!

- Vacilo o quê?!? Vá se ferrar, véio!!!

- Tá me tirando?!? Vai morrer!!! - grita Zulão.

- Separa!!! Separa!!! – gritam alguns detentos.

Tarde demais. A rebelião na detenção acaba de começar.

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