O SORRISO
“Hoje não tenho condições de sair, trabalhar, conversar, ler, ouvir músicas, ver um filme. Hoje eu só quero dormir. Enquanto eu não puder sorrir, não saio de casa e não sou capaz de fazer nada.”
Foi assim que Luísa acordou naquele domingo, após um dia de choro intenso. Seus olhos ainda estão inchados, seus lábios congelados, seu rosto transmutado em uma dor ainda terrível. E a partir de agora será ela a narrar sua tristeza:
Eu vivo em um mundo cruel, onde não há caráter, amizade, consideração, respeito e nem lealdade. Este mundo não foi feito para mim. Como eu gostaria de adormecer e não mais acordar. Mas não posso. Eu tenho um senso de responsabilidade que foge aos padrões normais e, por isso, tenho que continuar aqui, onde alguns (poucos) ainda precisam de mim.
Uma frase, ou uma palavra, basta para desencadear um processo que, além de doloroso, me mortifica por dias a fio. E ontem a frase, dita pelos lábios de quem não possui a sensibilidade suficiente para entender meus processos, abriu o meu armário de esqueletos e me vi cercada pelas dores terríveis, pelo desamor e pela deslealdade de quem um dia me pediu ajuda para consertar o estrago que fez em minha alma, mas, logo depois, tornou a repetir o ato causador da ferida. Não, eu não consigo rir.
Tenho as pálpebras ainda inchadas e a alma congelada pela dor atroz que ontem saiu das profundezas de meu ser para me devastar novamente. Ah, a dor maldita que estraga meus dias enquanto restar um resquício dela em meu ser. Ontem mesmo eu fechei com força o armário, mas as górgonas ainda pairam sobre minha cabeça, fazendo com que o sorriso não aflore, nem por falsidade. Não há sorrisos! Não há nada, exceto um vazio horrendo onde antes havia uma faísca de vida, vida que retiro de minhas próprias entranhas e onde somente eu mesma consigo me bastar. Um ser egocêntrico, porque somente sendo assim posso sobreviver. Um ser que se isolou porque os outros sempre me farão mal, sempre me lembrarão de que minha vida é feita de desamor, perdas, solidão, abandono.
Em minha vida inteira, as lágrimas sempre foram mais fáceis do que o sorriso. Eu sempre tive comigo a dor do não pertencimento. E, estranhamente, eu realmente não pertencia àquele meio em que vivia. Mas o meu pai, esse eu sentia como meu. Ele era o bálsamo que curava minhas feridas e me fazia sorrir. O meu pai, que também sofria, que também tinha em mim o seu motivo para viver.
Ninguém é capaz de entender o que se passa em minha alma, assim como eu acredito que somente tendo o mesmo tipo de dor é que pode ocorrer uma empatia que nos faz compreender o outro. Eu não minimizo minha dor, nem mesmo olhando para os lados ou para trás. Mais uma frase de efeito da sociedade hipócrita: “Olhe em volta, existem pessoas que possuem problemas mais sérios do que os seus”. Será? O meu dói em mim, isso basta para que não possa ser comparado aos demais. O que pode o outro estar passando? Câncer? Muitas vezes desejei tê-lo, portanto não me dói. Viver na rua? Talvez seja mais fácil do que viver temendo que a dor se aflore e que o armário se abra novamente. Ah, a caixa de Pandora! Tantas dores trouxe ao mundo! Em minha alma há uma caixa semelhante, cheia de terríveis seres destrutivos, feios, que minam as energias que meu corpo ainda possui.
Por que, nesse maldito mundo, não há quem entenda que a dor, quando nos ataca, impossibilita o riso, o prazer, a alegria, a esperança e, o pior de tudo, a fé?
Olho para os lados e vejo conforto, tecnologia, filhos bonitos e bem sucedidos. Como se a vida fosse feita de satisfação por ver que os que me rodeiam estão bem. Eu também preciso estar. Mas não estou neste momento. Em breve, o sorriso aflorará, a alegria de viver (que vem somente de dentro de mim e é comigo que quero estar) retornará e todos à minha volta se iludirão, me invejarão, acharão que sou a pessoa mais realizada do mundo, a mais inteligente, a mais autoconfiante, a mais altiva. Sim, é assim que me mostrarei ao mundo, porque estarei contando somente comigo, a única pessoa que me faz feliz. E entrarei nos lugares pisando forte, altiva sim .... mas sabendo que, em algum lugar dentro de mim, existe um armário fechado que pode se abrir a qualquer momento.
E Luísa se encaminhou para o seu quarto, após tomar pílulas para dormir, porque precisava do alívio que somente o sono traz nesses momentos.
Por enquanto, sem SORRISO!