ELA
Júlio estudara economia e desde que se formara, estava na mesma empresa. No seu aniversário de cinquenta anos, resolveu fazer um balanço da sua vida, e foi aí que percebeu que não tinha mais prazer em trabalhar ali. Achou que era hora de sair. Então, contratou uma agência - a Hunter - para recolocá-lo no mercado. Contudo, ficou sabendo que teria que passar por uma entrevista para que eles pudessem traçar o seu perfil a fim de poderem encontrar a firma que melhor atendesse às suas expectativas.
Na semana seguinte, Júlio foi se encontrar com o consultor que o ajudaria. Chegando lá, foi apresentado a uma mulher de seus vinte e oito anos - Laura. Primeiro, ela leu o seu currículo e disse o que poderiam fazer para torná-lo mais atraente. Depois, indagou sobre sua pretensão salarial, tipo de companhia, preferências quanto à localização, etc. Terminada essa parte, Laura perguntou se poderia ser bem sincera na sua análise da situação. Como ele disse que sim, ela foi fria e objetiva. Para começar, foi logo dizendo que Júlio deveria ter pensado em trocar de emprego há muito tempo porque, depois dos quarenta ficava mais difícil. No caso dele, então, era ainda pior porque tinha acabado de completar cinquenta! Apesar de seu currículo ser muito bom devido aos cursos que fizera ao longo da carreira, ele fora bastante ingênuo ao não perceber que o mercado mudara. De uns anos para cá, uma longa permanência na mesma companhia era vista como acomodação. Júlio estava pasmo! Uma jovem fora capaz de ver em questão de minutos, o que ele não conseguira em todos esses anos. Após dar um momento para ele se refazer do choque de realidade, Laura disse que precisava saber se deveria seguir em frente ou não. Quando Júlio falou que sim, ela o aconselhou a ser bastante paciente e esperar, pois não seria nada fácil.
Quatro meses haviam se passado depois daquela conversa e nada. Júlio já se perguntava se não tinha feito besteira ao contratar esse serviço. Talvez tivesse apenas jogado dinheiro fora, porém, em uma segunda-feira, ao checar seus e-mails, notou que havia um de Laura. Qual não foi sua surpresa ao ver que, em vez de uma proposta de emprego, havia duas! Ele analisou os prós e contras e achou uma delas mais interessante. O único inconveniente era que, se passasse na entrevista, teria que se mudar para São Paulo. É bem verdade que se fosse há algum tempo, ele não iria por causa da mulher e dos filhos, mas como já estava divorciado havia cinco anos, não tinha impedimento algum.
Toda vez que Julio se lembrava da ocasião em que Magda pedira a separação, ele ficava perplexo. Ele fora pego completamente desprevenido. Nunca suspeitara o quanto sua mulher se sentia infeliz. Segundo ela, ele a colocava em quarto lugar na sua lista de prioridades. Primeiro, vinha o trabalho, depois, os filhos, e até mesmo a turma do vôlei de praia estava à sua frente. Sendo assim, ela preferia sair daquele casamento de fachada. Júlio e Magda separaram-se, e os meninos, de 14 e 12 anos, ficaram com a mãe.
Júlio ainda estava pensando no passado quando, de repente, lembrou-se de Laura. Ela estava certíssima em sua avaliação! Agora ele entendia que havia feito o mesmo erro duas vezes. Assim como custara a identificar o momento em que não sentia mais prazer em seu trabalho, o mesmo acontecera em relação ao seu casamento. Como podia ser tão desligado?
Depois de Júlio ter sido aprovado no novo emprego, ele arrumou a mudança e partiu para a capital paulista. Entretanto, no início, Júlio se sentia como um peixe fora d’água, pois não conhecia bem a cidade. Assim sendo, achou melhor contratar uma imobiliária para arrumar um apartamento confortável, de dois quartos. Nesse meio tempo, ficaria em um apart hotel perto do escritório. Alguns colegas até sugeriram que ficasse morando no apart, em vez de comprar um imóvel, mas embora a ideia não fosse ruim, o flat era muito impessoal. Ele queria transformar seu apartamento em um lar.
Logo que Júlio se mudara, ele sentira grande saudade dos filhos e do pessoal da praia. Durante a semana não havia problema, tinha o trabalho para preencher seu tempo, mas os sábados e domingos eram mortais, por isso sempre que podia, pegava a ponte aérea no final da tarde de sexta-feira e voltava para Sampa na segunda de manhã, bem cedo. Contudo, à medida que ia fazendo novas amizades, suas vindas ao Rio foram espaçando. Júlio começou a sair com o pessoal do escritório, mas enquanto todos eram casados, ele era o único separado. As mulheres de seus novos amigos passaram, então, a convidá-lo para almoços ou outros eventos com o intuito de apresentá-lo a uma amiga, ou parente. Em uma dessas ocasiões, Júlio conhecera Rosane, uma amiga de infância da mulher do Sampaio. Tinha por volta de uns trinta anos, era bonita e independente. Rosane tinha sociedade com a mãe numa loja de decoração em um grande shopping da capital. Ela foi muito importante na sua fase de adaptação a nova cidade. Ia com ele visitar os imóveis previamente agendados pela imobiliária, e depois, ajudou-o a escolher qual apartamento comprar. Mais tarde, passou a assessorá-lo na fase das pequenas obras e por fim, auxiliou-o com a decoração. Tudo parecia ir bem entre os dois até que Rosane começou a falar em casar de véu e grinalda, e do seu desejo em ser mãe. Júlio, no entanto, não queria mais esse tipo de ritual em sua vida. De mais a mais, já era pai e não queria correr o risco de, um dia, as pessoas pensarem que era avô de seus próprios filhos. Ele não era contra a instituição do casamento, mas não estava tão apaixonado assim a ponto de casar na igreja e ter filhos só para fazer as vontades de Rosane. Deste modo, terminou o namoro a fim de que ela ficasse livre e desimpedida para procurar alguém que pudesse transformar seus sonhos em realidade.
Quanto mais o tempo passava, pior ficava a relação de Júlio com os filhos. Quase já não os via e seu último encontro foi um completo fiasco. Júlio ficou só duas horas com os garotos. Eles tinham seus compromissos com amigos da mesma idade. Ah! E ainda por cima, tinham que dar atenção às namoradas. Além disso, havia outro motivo para Júlio estar magoado. Ele havia feito questão de um apartamento com dois dormitórios na esperança de que os filhos fossem visitá-lo. No entanto, os rapazes só tinham ido lá uma única vez em dez meses, e no fundo, Júlio bem sabia o motivo da viagem. O que os levara até São Paulo foi um show de uma banda inglesa que, em turnê pelo Brasil, havia descartado a Cidade Maravilhosa.
Uma manhã, ao se arrumar frente ao espelho, Júlio quase não se reconheceu. Como envelhecera depois que viera para São Paulo! Enquanto morara no Rio, tinha uma aparência invejável mesmo para alguém de cinquenta anos. Talvez o segredo fosse o hábito de frequentar a praia. O bronzeado lhe dava um ar saudável e as partidas de vôlei, e as corridas no calçadão, no final do tarde, lhe conferiam um visual mais jovem. No entanto, em Sampa, seus cabelos brancos se multiplicaram assustadoramente. E quanto ao seu corpo? Meu Deus! A mudança era de estarrecer. Embora fizesse musculação na academia três vezes por semana, dera para engordar. Um “pneu” se instalara ao redor da cintura, e mesmo tendo diminuído o chope e a cerveja, estava com uma barriguinha... Como se não bastasse, ao fazer a barba, já notara um pequeno papo debaixo do queixo, e olheiras que lhe davam um ar abatido. O resultado dessa constatação foi desastroso, pois Júlio começou a ficar bastante desanimado.
Um ano havia transcorrido desde que rompera com Rosane e seu coração continuava só. Nesse meio tempo, até se envolvera com algumas mulheres, mas nenhuma dessas relações fora realmente importante. Na verdade, Júlio estava bastante decepcionado. As mulheres que conhecera não enxergavam o Homem. O que elas viam era um sujeito qualquer que poderia pagar suas contas. Ora, ele não era uma simples máquina de fazer dinheiro. Era um ser humano, de carne e osso, e tinha sentimentos. Ele queria amar e ser amado.
Pouco a pouco, Júlio foi se afastando das pessoas. Passou a telefonar para os filhos só uma vez por mês, e começou também a inventar uma desculpa, atrás da outra, para não ter que comparecer aos eventos dos amigos paulistas. Os convites, então, pararam. Apesar de tudo, Júlio procurava levar uma vida normal - ia ao trabalho e à academia, mas era só isso. Às vezes ia a um shopping para comprar uma camisa social ou uma gravata para um evento profissional, mas no resto do seu tempo livre, ficava em casa. Lia um bom livro, assistia aos jornais, ou via os jogos de futebol em pay per view.
Um domingo, por volta das seis da tarde, para variar, começou a chover em Sampa. Júlio foi até a janela fechar o vidro antes que a chuva molhasse tudo. No entanto, ficou ali parado, absorto, vendo a paisagem se transformar. Foi, então, que a viu pela primeira vez. Ela estava do outro lado da rua. Ele ficou olhando-a por um bom tempo. De repente, ela notou que ele a estava observando e sorriu. Júlio ficou sem graça, fechou o vidro e saiu da janela.
Após duas semanas, Júlio parecia se incomodar, cada vez mais, com as pessoas a sua volta. Sempre que podia, procurava se isolar. Até na corretora onde trabalhava, passou a comer ora mais cedo, ora mais tarde, só para ficar sozinho. Não estava disposto a conversas fúteis. Quanto a seus filhos? Bem...como eles nunca ligavam para ele, ele parou de ligar. Não queria mendigar a atenção de ninguém. Um fato chegava a ser até engraçado. Nos últimos tempos, a única pessoa com quem conseguia conversar um pouquinho era a diarista. Ela sempre chegava antes de ele ir trabalhar, na sexta pela manhã. Como ela se queixava dos filhos, ele a entendia perfeitamente.
Depois que vinha do trabalho, Júlio passou a ficar mais tempo na janela de casa à noite. Algumas vezes a via, outras, não. Até que um dia, ele estava se sentindo tão solitário que, ao vê-la lá embaixo, tomou coragem e fez sinal para que subisse. Ela fez que sim com a cabeça. Enquanto ela não vinha, Júlio olhou-se no espelho para ver se estava tudo em ordem. Depois, abriu a porta. Ela chegou poderosa, e entrou. Pobre Júlio! Trancou-se lá dentro com a estranha. Mal ela havia entrado, ele já se sentia preso aos seus pés, mas num ato de bravura, usou da pouca valentia que ainda lhe restara, e perguntou:
- Meu nome é Júlio. E o seu?
- Depressão.