A chuva fria batia na vidraça suja e eu não queria me movimentar.
Estava naquela posição há mais de duas horas e, apesar do desconforto,  queria ficar parada, cada vez mais imóvel até me fundir com aquela água que escorria pelo vidro e sumia na terra.
Os barulhos da casa, antes tão irritantes, agora soavam distantes, como sons de um passado logo ali.
Eu olhava a terra sendo lavada por aquela água que caía do céu e ficava imaginando se algum dia tornaria a ver beleza naquela cena.
Provavelmente não.
Meus olhos, estavam cansados, meu corpo, fraco demais.
Tudo o que eu queria no momento, era fechar os olhos e esquecer.
Esquecer as regras tolas que tinham me levado até ali.
Esquecer os sonhos que fiz baseados nos valores que cultuei por tanto tempo e agora se mostravam rígidos demais,  absurdos demais, exigentes ao ponto de parecerem piada.
Mas eu não conseguia.
E mesmo que conseguisse que diferença faria?
Nenhuma. As cortinas já tinham sido tiradas e os livros levados.
Com eles, os planos e desenhos que fiz.
Uma rajada de vento levou a última rosa do jardim.
Plantei aquela roseira sem nenhuma expectativa e ela floresceu.
Rosas perfumadas do tamanho de abacates que sorriam para mim apesar do meu rosto de todos os dias.
De certa forma, eu invejava aquelas flores.
Puras, belas, felizes pelo simples fato de estarem vivas.
A chuva lenta e silenciosa diminuiu seu ritmo em uma tentativa de me acalmar.
Vi quando as gotas se transformaram em uma névoa cinza que cobriu tudo.
Eu não me movi.
Continuei olhando a terra molhada e a rua deserta.
Sabia que uma hora teria que ir, mas é questão era: ir para onde?
Não havia mais lugar algum.
O último estava ali. Silencioso, julgador, cobrando as respostas que eu jamais teria.
Há coisas que não se explicam, crenças que não encontram compreensão, valores que de tão estúpidos nem vale a pena tentar falar.
O preço era alto, eu sabia.
E estava cansada.
Cansada da aspereza que o tempo não muda.
Das minhas falas fazias tentando explicar meus mundos irreais.
Cansada das tentativas de acertar e de recomeçar no meio dos meus erros.
A chuva deve ter ouvido minhas reflexões porque voltou bravia.
Eu via a tormenta se formando no céu chumbo e nos meus pensamentos.
Sabia que em breve tudo o que  me restaria seriam os espinhos do tempo, curvados e fracos nas esquinas da vida.
E a ironia disto era que nem tinha sido a minha opção. Tinha sido a minha sentença.
A tempestade chegou com força.
Varreu as pétalas destruídas da roseira que também sucumbiu.
Cúmplice, sorri para ela que viu seus galhos e folhas devastados pelo vento.
Ela se reconstituirá, buscará vitalidade na terra que a acolhe e em breve será bela e vigorosa novamente.
Eu? Seguirei outros caminhos, me convencerei de novas situações, criarei outras emoções. Todas vazias, todas desculpas esfarrapadas.
O conforto, é que em breve, a minha história nada mais será do que um conto, palavras soltas e improváveis nas conversas de final de noite de quem, entediado, encontra alguma coisa para falar.
Serei apenas uma memória. Quem sabe, deixe algum referencial, mas é pouco provável.
Assim é a história de qualquer vida, o que foi tão importante, perde sua força, à medida, que o tempo, insistente, absorve lentamente as imagens, cenas, lembranças...
Nada fará diferença um dia.
O som do celular me traz de volta ao presente. Ao meu redor, o cômodo vazio combina comigo.
Quero dormir ali mais uma vez, decido.
Desligo o telefone e deito no piso frio.
Quem sabe por breve momento a chuva pare e a noite chegue com um brilho de lua.
Nos meus sonhos, eu sempre fui perfeita.

 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 21/10/2013
Reeditado em 24/01/2014
Código do texto: T4535079
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.