FOLHEADO A OURO

Rejane morava em uma pequena cidade, no interior de Goiás. De família grande, foi a única entre os irmãos que não se casara. A princípio, ela ficava bastante frustrada ao ver que os outros realizavam o seu sonho. Seus irmãos também não a ajudavam a superar a decepção. Pelo contrário, eles mesmos faziam troça dela, principalmente o mais velho, Lucas, o policial. Ele vivia dizendo que ela ficara para “titia”, mas por mais doloroso que fosse, ela tinha que admitir que ele estava com a razão. Como todos os homens interessantes da região já haviam sido fisgados, só sobravam os doentes, os muito jovens e os velhos. Não adiantava lutar contra o destino, o que lhe cabia fazer era se conformar e aceitar sua condição de solteirona invicta.

Bem que aos vinte e um anos ela namorara Carlito, o filho do verdureiro. Hoje ele tinha uma cadeia de mercadinhos, mas quando eles começaram a namorar, ele trabalhava servindo atrás do balcão. Carlito era bem apessoado, gostava muito dela, e em pouco tempo, ela também estava apaixonada. Contudo, havia um problema. Como ele deixara a escola ainda menino para ajudar o pai, de vez em quando ele falava algo errado. Carlito, então, virava motivo de piada por parte das amigas de Rejane. Elas também não a poupavam. Elas costumavam dizer que uma professora não deveria se envolver com um ignorante. De todas as garotas, a que pegava mais no pé de Rejane era Alba. Quase um ano depois, quando Carlito conseguiu comprar sua primeira mercearia, ela apelidou-o de “Folheado a Ouro”.

Embora Rejane gostasse daquele homem, ela começou aos poucos a se sentir incomodada com os seus erros. Já pensou se ele cometesse um deslize gramatical na frente de seus parentes ou amigos que tinham curso superior? E foi assim, que ela se deixou levar pelas críticas de suas amigas, e acabou o namoro. Entretanto, Alba, que tanto a censurara por causa do Folheado, parece que com o tempo, havia mudado de opinião. Quando Rejane soube, Alba já estava saindo com o seu ex. Resultado, menos de um ano depois, lá foi Rejane a mais um casamento – dessa vez, ao de Carlito. Quando isso aconteceu, Rejane já tinha percebido a burrada que fizera, mas era tarde demais.

Nove anos depois das bodas de Folheado, houve um alvoroço na cidade. O prefeito comunicou uma grande novidade: a construção de uma barragem. A obra seria executada por uma grande empresa de engenharia de São Paulo. Aquela realização seria boa para todos. Para o comércio, pois haveria mais gente fazendo compras, e para a cidade como um todo, pois isto geraria empregos diretos e indiretos.

As solteiras ficaram bem contentes com a possibilidade de conhecerem novos homens. Quem sabe arranjariam um pretendente? Talvez até conseguissem uma espécie de “green card” que as levaria direto para a cidade grande. Entre as esperançosas, estava Rejane. Já pensou se um dos funcionários mais graduados se encantasse por ela? E se desse a sorte de morar em São Paulo? Seria maravilhoso! Ela poderia finalmente levar a vida cultural que tanto sonhara: balés, concertos, exposições, cinema, teatro.

Quando o pessoal da empresa chegou para dar início à obra, foi uma agitação no município. Há muito que não se via tanto homem atraente junto!

Como a casa de Rejane era caminho para o melhor restaurante da cidade, às sextas-feiras, a professora aproveitava que saía da escola mais cedo, para ficar na janela. Um grupo de engenheiros costumava passar sempre à mesma hora. Já na segunda semana, um rapaz a cumprimentou. Alguns dias depois ele passou, e ao vê-la no portão, aproveitou para perguntar se ela poderia indicar uma lavanderia ali por perto. Conversa vai, conversa vem, Rejane ficou sabendo que o nome dele era Jaime, e ele não perdeu tempo, convidou-a para irem ao cinema. Naquela noite começaram a namorar.

No começo, Jaime a tratava com reverência, mas com o tempo começou a ficar ousado. Ele parecia que tinha tantas mãos que ela lhe deu o apelido de “Homem Polvo”. Se os dois iam ver um filme, ele tocava em sua perna. Ela, então, tratava de segurar a mão dele antes que começasse a acariciar sua pele. Porém em questão de minutos, já estava outra mão a escorregar pelo seu ombro em direção ao seio. Eles ficaram nessa luta por um tempo até que um dia, ele a colocou contra a parede. Ele realmente gostava dela, mas não era mais um rapazola. Era um homem feito, honesto, trabalhador. Um engenheiro! Ela também não era mais criança. Ou acabavam com aquela besteira ou ele daria um ponto final na relação. Rejane não sabia bem o que fazer. Estava dividida. Por um lado, não queria ser alvo das fofoqueiras da cidade, mas por outro, sentia-se encantada por aquele homem que a desejava. Ele havia dado novo significado a sua vida após tantos anos. Além disso, não devia satisfação a ninguém. Mesmo assim estava bastante receosa. Sentindo o quanto insegura ela se encontrava, Jaime explicou que embora a amasse, ele ficaria na cidade por apenas mais quatro meses. Depois, iria fazer uma obra na Amazônia por quase um ano, e não queria ficar sozinho naquele fim de mundo. Aliás, ele achava que já estava na hora de constituir família. Ele entendia a situação dela. Provavelmente em sua cidade, esperava-se que uma mulher casasse ainda virgem, mas ele era um homem de uma grande metrópole, e os tempos também eram outros. Ele não iria se arriscar a casar com uma mulher sem saber se os dois eram compatíveis na cama. Se eles se dessem bem, e não havia motivos para crer que não o seriam, eles se casariam. Seria só no civil, mas o que importava é que depois, como sua esposa, ela estaria com ele aonde quer que ele fosse. Aquela proposta não era exatamente o que Rejane sonhara, mas resolveu arriscar. Já passara dos trinta, e naquele lugarejo, era agarrar aquele homem ou iria perdê-lo para outra. De mais a mais, ele era um charme. Foi assim que ela se deixou seduzir.

Poucas semanas depois, Jaime disse que tinha que ir a São Paulo. Ele aproveitou e pediu uns documentos dela. Ele explicou que não entendia nada de cartório, mas iria ver se já podia dar entrada nos papéis. Como os irmãos dela moravam na capital paulista, com a exceção de Lucas, Rejane havia concordado em se casar por lá. Ela estava tão feliz que não cabia em si. Antes de partir, fizeram amor, e com a desculpa de que já estava com saudades, ele pediu para tirar fotos dela, inclusive, nua. Ela tinha medo, mas ele tanto a incentivou que ela finalmente cedeu, afinal, o que eram apenas algumas fotos no celular dele?

Jaime ficara de voltar dali a cinco dias. Nesse meio tempo, seu celular só dava caixa postal, e o número do telefone fixo, em São Paulo, que ele lhe dera, chamava, chamava, mas ninguém atendia. Rejane deixou mensagem de voz, tentou passar inúmeros torpedos e nada. Ao final do prazo para a volta dele, ela resolveu dar um pulo no canteiro de obras em busca de notícias. Quando chegou lá, os homens saíam para o almoço. Ela notou que eles se afastavam em grupinhos. Uns começaram a olhar para ela rindo enquanto outros pareciam sair de fininho. Até que finalmente um rapaz veio conversar com ela. Ela começou a explicar o seu problema quando ele, sem graça, a interrompeu. Ele tinha a difícil tarefa de lhe dizer a verdade. Tudo não passara de uma aposta entre o engenheiro e os rapazes. Como na cidade, ela era tida como virgem e recatada, Jaime dissera que conseguiria levá-la para a cama. Foi assim que eles fizeram um bolão. Quando ele provou, através das fotos, que já eram íntimos, o pessoal pagou até o último centavo, e com esse dinheiro e com outro tanto que ele havia separado, ele tinha ido de férias para o Nordeste com a namorada paulista. Rejane não podia acreditar no que estava ouvindo. Como pôde ser tão ingênua! Quantos deles teriam visto suas fotos? E se Jaime as colocasse na Internet?

Ela estava tão atordoada que não disse nada, apenas deu as costas e foi embora. Foi andando de cabeça baixa, tentando evitar o olhar das pessoas até que, de repente, acabou esbarrando em um homem. Era o Folheado a Ouro que estava saindo do banco. Ele era a última criatura que ela queria ver pela frente, porém o destino parecia gostar de pregar-lhe peças.

- Pois é. Eu que te respeitava e queria casar, você dispensou. Agora já está tão moderna que se deixa fotografar pelada! - disse Carlito.

- Como assim? O que você quer dizer? – ela retrucou.

- Não seja sonsa. Tá todo mundo sabendo das suas fotos.

Rejane foi para a casa. Andava depressa. No caminho pensou ter visto olhares de deboche e crítica. Ela não iria aguentar ser a chacota da vez. E Lucas, ia ficar possesso. Ao entrar em casa, o desespero de Rejane era tal que ela resolveu dar um fim a sua vergonha. Lembrou-se da arma que o irmão deixara ali, em cima do armário, para que ela usasse em caso de necessidade. Podia ser que precisasse espantar algum ladrão. Subiu em uma cadeira, pegou a pistola e desceu. Suas mãos tremiam, mas não era hora de fraquejar. Fechou os olhos, colocou a arma contra o peito, mas quando ia puxar o gatilho, alguém empurrou fortemente sua mão. Era Carlito. Ela se jogou nos braços dele, chorando. Quando se acalmou um pouco, perguntou como ele chegara até ali. Ele disse que, por coincidência, ia para o mesmo lado da casa dela, e notara os olhares dos vizinhos. Também admitiu que havia sentido remorso. Ele fora cruel com ela quando mencionara as fotos, afinal, ela já estava mal. Ele não sabia bem explicar como nem porque, mas de repente, ao pressentir que ela iria fazer alguma besteira, saíra correndo. A sorte é que estava próximo de sua casa.

Rejane, então, disse que ele podia ir. Ela já estava bem. Carlito relutava, pensando que ela poderia estar tentando lhe enganar, mas acabou saindo. Ao fechar a porta, Rejane disse para si mesma:

- Eu e Alba estivemos erradas durante todos esses anos. Esse homem não é folheado, coisa nenhuma! Ele é de ouro!

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 06/10/2013
Reeditado em 30/04/2015
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