VERGONHA ALHEIA
Marcos trabalhava em uma agência de turismo, e todo final de ano, sua empresa procurava um hotel ou pousada, onde os funcionários pudessem confraternizar por ocasião do Natal. Geralmente esse evento acontecia na primeira semana de dezembro porque era mais conveniente à maioria.
Naquele ano o hotel escolhido ficava em Búzios, Região dos Lagos, no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Além das praias lindas, do mar tranquilo e da beleza do balneário, a cidade também é conhecida pela badalada vida noturna, sendo que a Rua das Pedras é uma atração à parte. Lá estão bares e boates da moda, restaurantes e lojas de grife que ficam abertas no verão até à meia noite.
Na agência, os funcionários estavam torcendo por um final de semana com muito sol e calor para poderem usufruir, ao máximo, da oportunidade de conhecer ou rever um lugar tão disputado por turistas brasileiros e estrangeiros. Dentre todos da firma havia duas meninas novas que estavam bastante animadas, visto que era a primeira vez que participavam de um evento daquele porte.
Uma chamava-se Claudia. Era magra, de estatura mediana, e tinha cabelos e olhos castanhos. Era séria, mas talvez fosse devido ao seu cargo de secretária do diretor mais importante da empresa. No entanto, com o passar do tempo, mostrara-se simpática, e as pessoas notaram que ela era reservada por estar no ambiente de trabalho.
A outra novata, a recepcionista, era a Michele - uma loura escultural. Ela malhava todos os dias após o expediente e estava sempre com um bronzeado de fazer inveja. Todos os marmanjos do escritório sonhavam em vê-la de biquíni.
Na véspera da confraternização, Marcos fora para Búzios em seu carro. Não se incomodara em pagar duas diárias de um quarto “single” de seu próprio bolso, porém o que queria era privacidade e já poder acordar na cidade. Como já chegara tarde ao hotel na sexta-feira, pediu uma refeição leve, e depois foi para o quarto dormir. Entretanto, acordou cedo e bem disposto. Colocou seu short e foi correr na beira da praia. “Que visual lindo!”- pensou enquanto fazia seu exercício. Ao voltar, tomou uma chuveirada e um bom desjejum.
Às dez e meia da manhã de sábado, todos já estavam em Búzios. Uns haviam viajado em seus próprios carros, outros foram nas vans alugadas para a ocasião. Foram recepcionados com um drink de boas vindas. O pessoal estava de bom humor e com o astral lá em cima.
Ao avistar Claudia, Marcos admirou-se porque em vez daquelas roupas sisudas do escritório, ela estava usando um vestido floral de alcinha, e era a primeira vez que ele via os seus ombros de fora. No entanto, embora seu visual tenha causado boa impressão, ela evidentemente não ofuscou o “look” de Michele, que viajara com um shortinho e uma blusa bem cavada nas costas. Após uns trinta minutos, todos foram liberados para fazer o que quisessem, contanto que às duas horas da tarde estivessem ali reunidos para almoçarem juntos.
Os homens rapidamente trocaram de roupa e, ao saber que a maioria das meninas ficaria na piscina do hotel, resolveram fazer o mesmo. A primeira a chegar lá foi Claudia. Marcos estava ansioso para ver o que ela havia levado para usar como roupa de banho. Quando ela tirou a saída, Marcos vislumbrou uma mulher de corpo definido, o que ele jamais poderia supor. Foi uma grata surpresa.
As outras moças foram aos poucos aparecendo, e aquele bando de homens só conferindo as medidas do mulherio. Por último chegou Michele. Quando ela tirou o vestidinho de praia, os rapazes quase foram à loucura. Diferente de suas companheiras, que vestiam biquínis bonitos, mas apropriados para um evento corporativo, o da loura era quase um fio dental. O sucesso foi total junto à ala masculina, mas em contrapartida, as mulheres a olhavam com ar de reprovação. Michele parecia ignorar as outras, pois o que ela queria mesmo era curtir o fim de semana, e quem sabe chamar a atenção do dono da agência, que estava recém-separado.
O pessoal se divertia na área da piscina ao som dos mais recentes sucessos das rádios, e a situação ficou ainda melhor depois que cervejas e caipivodcas começaram a ser servidas. Claudia tomou uma de morango, porém Michele resolveu experimentar várias. A certa altura, ela já estava tão soltinha que ao ouvir seu pagode preferido, pôs-se a dançar na frente de todos. A galera masculina foi ao delírio, e os rapazes faziam fila para ver quem dançaria com ela primeiro.
Ao ver aquela situação, Marcos começou a se sentir desconfortável. É lógico que como homem ele apreciava uma mulher gostosa, mas o problema é que ele pensara que a ida para Búzios talvez fosse o momento certo para se aproximar de Michele. Ele estava sozinho há seis meses. Seu último relacionamento acabara por excesso de ciúme da sua garota. É bem verdade que ele tinha gostado muito de Marina, mas ela era tão insegura e desconfiada que a vida dos dois virara um inferno. Ela remexia em seus bolsos, lia seus e-mails, bisbilhotava seu celular, e dava umas incertas em seu trabalho ou em sua casa. Não mais aguentando aquela paranoia, Marcos dera um fim ao namoro. Depois disso ficou livre, e não quis compromisso sério com ninguém, mas passado algum tempo, se cansara da vida de “pegador”. Na verdade, ele já estava com trinta e três anos, e queria mesmo era achar alguém com quem pudesse dividir planos e sonhos para juntos formarem uma família. Foi por isso que ao ver o “espetáculo” dado por Michele se dera conta de que talvez não fosse uma boa ideia se envolver com ela.
O almoço foi servido sob a forma de bufê, em um salão perto da piscina. Além da apresentação impecável dos pratos, a comida estava deliciosa, e difícil era dizer o que estava mais gostoso. Após a sobremesa, uns funcionários da agência resolveram tirar um cochilo, pois haviam acordado muito cedo, e queriam estar descansados para a festa que ia acontecer após o jantar. Outros preferiram ficar ali perto da piscina, e nesse grupo estavam quase todos os rapazes, algumas mulheres, e Michele, é claro. Um grupo menor, porém decidiu trocar de roupa e dar um pulo na Rua das Pedras para ver o movimento, mesmo sabendo que o grande burburinho local se dava mesmo à noite. O fato é que, no fundo, as mulheres queriam era fazer compras.
Marcos resolveu dar o passeio com esse pessoal. Havia o Cássio, que estava interessado na Paula, a Rita, a Janete, e a Claudia. Os seis passaram uma tarde agradável. Cássio e Paula acabaram se entendendo e decidiram andar pela Orla Bardot ao pôr-do-sol. Por sua vez, Rita e Janete descobriram uma loja de biquínis com preços em conta e resolveram ficar por lá, provando todos os modelos possíveis e imagináveis. Quanto a Marcos e Claudia, terminaram optando por parar em um barzinho à beira-mar. Conversaram despreocupadamente sobre vários assuntos, e quanto mais o tempo passava mais Marcos se sentia atraído por ela.
Voltaram para o hotel às oito da noite a tempo de se aprontarem para o jantar às nove. Claudia foi pontual como sempre. Trajava um tomara-que-caia vermelho, que combinava perfeitamente com sua pele morena. Estava com os cabelos presos, usava poucas bijuterias, mas de bom gosto e uma leve maquiagem. Marcos olhou para ela deslumbrado. Como uma mulher linda daquele jeito podia ter passado tanto tempo despercebida?
Os dois sentaram-se juntos no jantar, dando continuidade a conversa que tiveram durante a tarde. Todos os funcionários pareciam estar se divertindo, mas já corria um disse-me-disse sobre o comportamento inapropriado de Michele. Aliás, perguntava-se porque motivo ela ainda não havia aparecido. Quando a refeição já estava quase no fim, entrou Michele, um tanto cambaleante, no salão. Usava um vestido curto que de tão grudado no corpo parecia ter sido embalado a vácuo. Para piorar, ela tentava se equilibrar em cima de uma sandália de salto alto e bem fino. Pelo visto, os copos de bebidas variadas que tomara ao longo do dia já começavam a fazer efeito.
Após o cafezinho, todos se dirigiram ao salão principal onde haveria o amigo-oculto, e a festa com direito a DJ, open bar e uma taça de Prosecco à meia noite. A pista logo encheu, e Marcos, outra vez, se surpreendeu ao ver Claudia dançando de maneira sensual, porém sem ser vulgar. Enquanto isso, Michele ficava rebolando e puxando o vestido para baixo.
Quando deu meia noite, todos brindaram, e Marcos pôde constatar que Claudia parecia estar feliz ao seu lado. Sorte a dele que fez a escolha certa porque antes que a noite acabasse, ia acontecer uma cena deplorável. Lá pelas duas da manhã o DJ começou a tocar uma série de funks. Michele, que já estava de pilequinho, dançava como uma “cachorra” em frente à mesa da diretoria. De repente, ela se desequilibrou e caiu como uma jaca madura no meio da pista. Como o seu vestido era muito curto, todos viram sua calcinha. Além disso, foi preciso que dois homens a levantassem porque ela simplesmente não conseguia. Janete e Paula se ofereceram para levá-la para o quarto, mas quando ainda estavam no salão, Michele sentiu uma forte náusea, e acabou vomitando.
- Meu Deus! Que vergonha!- Marcos disse baixinho.
A situação foi tão constrangedora que as pessoas ficaram por ali, conversando por um tempo, e depois, como não havia mais clima para a festa, todos foram dormir. Paula, que dividiria o quarto com Michele, pediu para que colocassem uma cama extra no mesmo aposento de Janete e Claudia, e transferiu suas coisas para lá.
No dia seguinte o pessoal estranhou a ausência de Michele no café. Estaria ela no quarto tentando curar o “porre” ou se escondia por conta da ressaca moral? Como até a hora do almoço Michele não havia aparecido, Paula se prontificou a ir até o quarto para ver se estava tudo bem. Ao voltar, contou que o rapaz da portaria vira quando Michele pegara um táxi logo de manhã cedo. Ele também ouviu quando ela disse ao motorista para levá-la até a rodoviária. Ela devia estar tão sem graça que não queria encontrar ninguém da empresa.
Na hora de irem embora, Marcos aproveitou e convidou Claudia para voltar em seu carro, e eles vieram juntos. Todos os funcionários foram para casa alegremente, mas talvez pela primeira vez na vida eles estivessem ansiosos pela segunda-feira, afinal, a pergunta que não queria calar era: ”O que iria acontecer na agência?”