Das Noites...

Trancada em meus passos, esses que em dias não me levam a lugar algum e insistem ser um metro quadrado, vislumbro pela janela do mundo a pseudo vida que prolifera nos esgotos e nas ondas dessa malfadada rotina.

A madrugada foi longa, gritos e mais gritos ecoaram na solidão dos olhos fechados das casas enfileiradas numa linha íngreme como o próprio destino.

Há um certo tipo de carne que procura pelos buracos onde costumam os corpos serem pisoteados. Deixei minhas angústias trancadas para dar ouvidos aos uivos do outro lado da rua. Não sei se nua estava a noite, não sei se em dor a lua levitava, só sei das palavras que ecoavam céus e infernos à fora. Diferente das outras vezes, não era fim de semana. Talvez os deuses ou demônios andem pontuando aqui e ali desgraças sem importarem-se com ciclos de sóis ou ciclos das almas. Enquanto gêmidos e pedidos de "pare" alastravam-se feito flores rasteiras, mais e mais um algoz vestido de pai lançava seu chicote costas a dentro de sua familia... E um cheiro de vinho e vômito penetrou em minhas narinas. Um cheiro por mim tão bem conhecido... Mas dessa vez não era a mim que buscava. Buscava outros joelhos em submissão.

Rotina, era rotina nos fins de semana, nunca em dias de trabalho, os gritos, os apelos e a indiferença cobrindo como um manto sagrado àquela casa do outro lado da rua. Sabia daquelas pessoas, o pai, a mãe e os filhos e a trilha desenhada por eles dentro da violência humana. Se hoje o pai batia, ontem o filho revidava com chutes portas, olhos e braços de um homem bêbado. Se havia uma mãe e havia, parecia ser mais um espectro de ontens misturado ao medo e quem sabe, subserviência. Se havia uma filha, havia em seus gestos a promessa da perpetuação de círculos viciosos.

E essa insônia a me fazer voyer, a me fazer pisar sobre os cacos de mim mesma levaram esses meu olhos a deitarem-se rua à fora e ouvirem e ouvirem quase em crime íntimas dores de paredes alheias...

Mas veio o sol entre cinzas zombar dos labirintos que em meio às estrelas transbordaram em detritos. Não sei quantos cafés tomei, não sei quantas vezes tentei enterrar meus ouvidos, não sei quantas vezes me fiz cega e nada mudou, nada...

Abrem-se os portões do dia, abrem-se as frestas, abrem-se as vozes. Do outro lado da rua, dores vestidas beijam-se carinhosamente antes de iniciarem mais um cotidiano de hipocrisia... A noite, ao menos não mente.

Almma
Enviado por Almma em 13/08/2013
Reeditado em 13/08/2013
Código do texto: T4432553
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