A grande casa branca

Uma grande casa branca, com carros pretos na garagem, câmeras no portão da frente e um imenso muro chapiscado, era o motivo da discussão entre a realidade e os sonhos de um doutor das ruas.



O ‘doutor’era apelido de infância. Brincava de médico cuidando de seu irmão mais novo, já que seu pai virou estrela, quando foi atingido por uma bala perdida(que de perdida não tinha nada) e sua mãe vivia no meio das vielas, ao lado de infratores e alguns doentes drogados.

Na sua adolescência se distanciou do seu irmão, que foi levado para um abrigo custeado pelo governo. E ele se viu obrigado a enfrentar o mundo, tentando mudar o seu futuro que já era tido como certo.



Achou, debaixo de um povoado pontilhão, o abrigo ideal para experimentar o inconsequente, aprender o necessário e conviver com insultos e euforias do mundo. Foi nesse lugar que descobriu um talento para se sustentar e talvez um dia ser feliz.

Aprendeu com um ex artista plástico, agora alcoólatra, a fazer arte com alumínios. Deixou sua timidez de lado e com versos e rimas vendia suas obras nos bares e praças da cidade:

“Olha estou aqui fazendo a minha arte, compre essa rosa e faça sua parte”, dizia enquanto mostrava a linda flor feita com uma latinha esquecida de cerveja.



E assim conheceu pessoas, fez amizades, recebeu elogios e foi duramente julgado e rotulado por ganhar a vida de mesa em mesa. Absorveu as consagrações e fez das críticas uma maneira de refletir e lutar para que as mesmas condenações se tornassem bons arrependimentos.

E na vida aprendeu que viver era o necessário. E que para ser feliz basta acreditar que o paraíso é logo ali.

Num dia normal de comércio se sentou no banco da praça para descansar, olhou para frente e se deparou com uma casa tão grande quanto os seus desafios. A morada era de um empresário, agora deputado, bem sucedido e o senhor dessa cidade. Conquistou tudo em pouco tempo, conheceu a política e a desonestidade se evidenciou. Fez uma casa dos sonhos, com dinheiro que não era dele.



Essa casa era famosa. Apareceu no jornal e era comentada por todos os moradores daquela cidade. O artista das latinhas sabia para qual casa estava olhando e quem era o dono da residência.

Foi assim que o ‘doutor’ meio sujo e meio desgostoso, admirou a sua latinha de alumínio, seus dedos calejados e em um verso rimado, resumiu seu sentimento:

“Vejo uma grande casa branca, construída por alguém. Alguém tão milionário que nem se faz o bem. Sou honesto com o mundo e dizem que sou vagabundo. Mas vagabundo eu não sou. Vivo na pobreza, passo fome e passo frio. Mas já me conformei, eu vivo no Brasil. Sou pobre de dinheiro, mas rico de coração. Eu não quero ser o primeiro e viver na solidão”.

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 03/07/2013
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