O CANECO DA COPA

Caneco não perdia uma pelada. Só pensava nisso, vivia de bola e para a bola. Seu pai, sitiante, homem nascido e criado na agricultura, sonhava em ver o filho dar continuidade ao seu trabalho cuidando da roça para o sustento da família. Mas Caneco era avesso ao cabo da enxada, mesmo nos dias que a muito custo ia para o roçado do pai, não podia ver uma melancia redonda que já queria chutar.

Ouvira pelo rádio o capitão da seleção brasileira comentar que em 2014 o Brasil iria levar o caneco de qualquer maneira. Surtou!

- Como ele sabe que jogo bola? Aqui nesse fim de mundo, nem televisão tem!

Aquilo martelava a sua cabeça:

O pai:

- Marivaldo, vâmo pro roçado hoje meu fí!

Marivaldo era seu nome de batismo.

- Num posso pai, fui convocado pra seleção brasileira e tenho que treinar!

O pai assustou-se:

- Que estória é essa Marivaldo? Tú tá ficando doido?

- Tô não pai! Eu ouvi no rádio de seu Pedro!

O pai botou a enxada nas costas e partiu para o roçado meneando a cabeça sem entender o que havia com o filho.

Passavam-se os dias e nada de aparecer ninguém para levar Caneco para a seleção. O rapaz estava desconsolado e triste. Já não se alimentava direito e andava macambúzio.

Certo dia ouviu no rádio do Seu Pedro que a seleção brasileira jogaria em Fortaleza num tal de Copa das Confederações e tomou uma decisão irresoluta:

- Pai, eu vô pra Foitaleza!

- Cê tá maluco Marivaldo? Qué qui tu vai fazer em Foitaleza? Ponderou o pai.

- Vô lá puiquê eu acho é que eles num tá é achando o lugar que nós mora! Quem diabo vai saber onde fica o sítio poitera?

Contra tudo e contra todos, ajuntou uns trocados que vinha guardando pra comprar uma bola e uma chuteira e partiu para Fortaleza. Já era o dia do jogo.

Na rodoviária onde desceu, havia uma concentração de manifestantes que caminhariam para o estado do Castelão para protestar contra a Copa. Caneco aproximou-se de um manifestante e perguntou como faria para chegar ao estádio, no que o manifestante perguntou:

- Por quê? Você vai assistir aquela porcaria?

No que Caneco contou a sua história, a sua procedência e que haviam prometido convocá-lo para a seleção, mas que até agora não haviam lhe procurado.

Nisso o manifestante gritou: Gente! Olhe aqui mais um caso de injustiça e de safadeza da CBF. Convocaram o Caneco aqui, mas injustamente preferiram trazer jogadores da Europa a peso de ouro!

Foi aquela balbúrdia, aglomeravam-se em torno do Caneco. Alguém gritou: queremos o Caneco na Copa!

Haviam encontrado mais um grito de guerra. Preparam faixas e cartazes, botaram Caneco nos ombros e partiram em busca do Castelão aos gritos: Queremos o Caneco! Queremos o Caneco!

No caminho iam juntando mais manifestantes. As estórias se multiplicavam: O cara é um craque, dizem que é melhor do que o Neymar!

Outros: É melhor que o fenômeno!

Não deu uma hora e Caneco já estava bombando nas redes sociais. Os manifestantes em outras cidades logo incorporaram aquela bandeira.

E as televisões voltaram suas câmeras para aquela figurinha de cabeça chata ovacionada nos ombros dos manifestantes.

Na televisão, um conhecido comentarista, com o dedo em riste desbocava: Finalmente essa gente encontrou uma causa. Saíram dos vinte centavos.

Próximo ao estádio, cordões de policiais aguardavam os manifestantes. Tumulto geral: Pancadaria, coquetéis molotoves e bombas de gás lacrimogêneo pra todo lado. Mas o grito era um só: Queremos o Caneco!Queremos o Caneco!

O som ensurdecedor de tão alto chegou ao estádio. Os torcedores passaram também a repetir em seu interior: Queremos o Caneco! Queremos o Caneco!

Os dirigentes da CBF procurados pelos repórteres diziam desconhecer esse tal de Caneco e negavam peremptoriamente aquelas versões que pululavam nas redes sociais sobre a convocação daquele jogador para a seleção.

Ao mesmo tempo o presidente da FIFA explicava a um jornalista da CNN: I didn’t understand! But in this country everything is possible!

Para que o jogo pudesse transcorrer com normalidade prometeu-se aos manifestantes que o presidente da CBF receberia no Rio de Janeiro uma comissão dos manifestantes, juntamente com Caneco para esclarecimentos e encaminhamento de uma solução.

Do Sítio Porteira para a glória - pensava Caneco debruçado na varanda de um hotel em frente a praia de Iracema, pago pela CBF. Em frente ao hotel, dezenas de manifestantes acotovelavam-se para ver o ídolo que acenava tímido e assustado.

Chegara o dia da reunião na CBF. Cercado de dezenas de repórteres, fãs e curiosos, adentrava na sede da CBF aquela criaturinha raquítica e esquelética, que não poderia dizer-se ser composta de cabeça, tronco e membros, dada a desproporção da primeira em relação ao resto.

Caneco pode então contar a sua história. De sua paixão pelo futebol. De como ouvira no rádio de Seu Pedro o seu nome ser citado para a copa e de como fora parar em Fortaleza em busca da realização do seu sonho.

Fez-se um silêncio ensurdecedor. Uma lágrima desceu lentamente sobre o rosto do presidente da CBF. O que dizer? O que fazer? Pensava ele!

Todos os olhares convergiram para Caneco. Não só dos que estavam presentes na CBF, mas de todo o Brasil, uma vez que aquela reunião estava sendo transmitida por todos os canais de televisão – essa havia sido uma das exigências da comissão.

Seu olhar a princípio vago e distante fixou-se num ponto da sala e começou brilhar. De repente todas as câmeras e olhares voltaram-se para aquele ponto da sala em que Caneco não desgrudava os olhos. Lá estava em cima de uma estante o mascote da Copa, o Fuleco.

Os membros da comissão, entreolharam-se, pareciam que mentalmente conversavam entre si. Um dos membros da comissão levantou-se, pegou na mão de Caneco e gritou: Fora o Fuleco, o mascote é o Caneco!

Foi a faísca. O Brasil inteiro explodiu: Fora o Fuleco, o mascote é o Caneco! Fora o Fuleco, o mascote é o Caneco!

Naquele momento, Caneco lembrou-se do velho pai e pensou: Será que tá passando no rádio de Seu Pedro?

Naquele mesmo instante, seu pai voltando de uma caçada exibia para a mulher, segurando pelo rabo, um enorme tatu-bola, fruto de sua caça e falou-lhe: Por onde andará Marivaldo? Se estivesse aqui, hoje iria comer o tatu-bola, sua comida preferida.

Chico Alves dMaria
Enviado por Chico Alves dMaria em 02/07/2013
Reeditado em 03/07/2013
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