Terceiro Testamento
Eu conheci Jesus em uma viagem sem rumo que resolvi fazer em um outono qualquer. Conheci-o quando ele já não possuía esse nome e solitário rumava pelas diversas ruas do mundo, sem nenhum discípulo para segui-lo ou menos vivalma disposta a ouvir seu sermão. Não o acompanhei em sua viagem por fé, chamava-o pelo primeiro nome e ria-me de sua pose de mártir, mas eu estava em uma viagem sem destino e ele era uma companhia insanamente agradável
Juntos rumamos pelo mundo, ele com seus papos filosóficos e transcendentais e eu com meu ceticismo implicante. Por mais que em nada do que ele dissesse eu acreditasse , me maravilhava com seus dizeres, era como se no fundo eu quisesse acreditar e ao discordar e enfrentá-lo eu simplesmente esperasse que ele comprovasse a veracidade de suas palavras. Em uma noite eu brinquei “eu sou ruiva, você pode me chamar de Maria Madalena”. Eu amei Jesus, por um tempo que hoje parece ter sido toda uma vida, embora ele apenas me sorrisse de volta
Aos poucos já não andávamos sozinhos, pessoas de todo canto surgiam e resolviam nos seguir, mas elas, ao contrário de mim, se dedicaram avidamente em se convencer em suas falas, e deixavam-se levar pelos mais lindos sentimentos que o seu discurso nelas despertava. Por mais que eu o repreendesse fortemente por ficar fazendo truquezinhos de transformar água em vinho, ás vezes parecia que valia a pena, apenas por ver a felicidade em que aquelas pessoas se encontravam
Um dia, enquanto tomávamos nosso café da manhã ele disse “se despeça de mim, amanha virão me buscar. Não chores, na eternidade nos veremos”, eu ri e duvidei como sempre, mas ele não interrompeu seu discurso e passou longas horas, quase em transe, falando de sua sina e da função que exercerá novamente o seu sacrifício para a salvação pra humanidade, de forma que eu não sei se eu acreditei ou não, mas dei um tapa em sua face esquerda e gritei “ deus e a humanidade não merecem, porque deus e a humanidade lhe matariam trezentas vezes !Deus e a humanidade que vão pro inferno!”, mas ele novamente riu, e estendeu a sua outra face.
De noite, eu que já não pude dormir, beijei seus lábios pela última vez, tranquei-o em seu quarto, levei as suas roupas e as vesti, do lado de fora da casa em que estávamos morando passei a repetir seus longos discursos em voz alta e a orar com lágrimas no rosto.
Nessa noite levaram-me , espancaram-me, estupraram-me, arrancaram pedaços de minha pele e quando me ergueram em uma alta cruz, eu fechei os olhos e vi Jesus acordar, acordar e me xingar por destruir todos os seus planos e me mandar para o inferno. Mas naquele momento, apesar de toda a dor eu comecei a rir, um riso eterno e tranquilo, um riso que já não era meu, mas que parecia o dele. Ainda duvidando de sua santidade e de suas maldições, eu pude morre em paz