A Parábola da Dama e os Lobos
Essa é a curta história de um homem chamado Charles. Embora ainda não soubesse, sua vida em Sigmund Cavum mudaria ao encontrar aquela criatura. Sigmund Cavum ficava na área mais isolada do lugar mais isolado, em meio a uma grande floresta e altas montanhas. Podia-se dizer que era uma cidade que ainda não havia sido descoberta por outros. Ali era o final. Não havia mais por onde seguir caso desejasse encontrar civilização. A pacata cidade, formada principalmente por pequenas casas onde moravam seus residentes, era constantemente visitada somente por um par de lobos ou outros pequenos animais. O mais questionável, porém, era o fato de que os lobos sempre chegavam ordeiramente; se deslocavam até a mesma casa, se esgueiravam, e depois saiam como se nada houvesse acontecido. Isso acontece há tempos, e nenhum cidadão, até mesmo os mais idosos, questionavam. Uma peculiaridade que só acontecia em Sigmund Cavum. Todos os cidadãos eram honestos, e gostavam ou aturavam a presença de cada residente. A pequena cidade era formada apenas por duas ruas. A Ego Street, ou também conhecida como rua principal, pois todas as casas tinham a entrada de frente a ela. E a rua lateral, batizada simplesmente de Id. A casa de Charles era a melhor de todas, e somente comparada à que sempre era visitada pelos lobos. Naquela residência, uma moça morava sozinha e nunca conversava com ninguém.
No inverno era com certeza uma casa em que burgueses moradores da cidade grande não poderiam evitar passar o final de semana.
Naquela tarde nenhum animal ainda havia comparecido. Só restava agora esperar a noite para a chegada dos lobos. Charles morava com sua irmã mais velha, uma enfermeira, e aspirava em um dia se tornar um grande escritor. Embora sonhasse, e sonhasse, infelizmente passava a maior parte do tempo somente olhando a paisagem sentada no único banco público da cidade. Sua irmã recebia um bom dinheiro, já que era a única apta a cuidar de cada residente em toda a cidade; então de fato não importava muito que seu irmão ocupasse a maior parte do tempo observando o mundano. Ele era um escritor, ao seu próprio ver. Meticulosamente adicionava “consciente” e “inconsciente” em absolutamente tudo que escrevia, e em seguida guardava em sua gaveta organizada. Charles se despede de sua irmã, e sai de casa caminhando calmamente. Dirigia-se ao banco público para descansar a vista, adiando novamente o momento em que teria que finalmente escrever tudo que supostamente acumulara em sua mente. Pretendia escrever sobre a moralidade de todas as pessoas que moravam ali, mas sempre adiava.
Estava bem ocupado, mas não escrevendo de fato. Apenas analisava e analisava todos os integrantes daquela cidade isolada de todo o resto. Se por acaso o perguntassem o que ele fazia da vida, lhes diria com toda a calma do mundo: Sou analista. Infelizmente ninguém jamais havia falado com ele naquela cidade. Ele parecia ser totalmente invisível.
Ficou sentado no banco até anoitecer enquanto prestava atenção no velho louco brigando com sua jovem e inocente filha. Observava o jovem curioso que espiava pela janela. Em outra casa um pai estressado discutia apaixonadamente com sua mulher. Cachorros em suas casinhas trancadas latiam aos lobos que não apareciam. Ele notou que nada mudava. Então, como uma epifania que o socava o estomago, ele se levanta rapidamente e corre para sua casa. Sentou em sua cadeira predileta e molhou a pena na tinta preta e fresca. Começou a escrever e escrever, sem parar e sem tirar os olhos do papel. Escrevia sobre a vinda dos lobos. Lobos que vinham somente para arrancar um pequeno pedaço de carne provido do próprio corpo da mulher. Enquanto ele escrevia, os lobos faziam. Ela parecia estar acostumada, e seus braços enfaixados eram dilacerados com toda a calma. Ele logo percebeu que era o velho louco, a jovem inocente, o jovem curioso, o pai estressado e os cachorros presos. Todos faziam parte de sua cidade. A cidade isolada, mas somente isolada por opção. Ele encontrara finalmente a tal criatura. Deparava-se bravamente frente a frente com o pedaço de papel; notara então, que o que ele era, é o que ele o fazia ser. Escrevia na lateral do folha "Os monstros embaixo da minha cama ainda têm medo daqueles dentro da minha cabeça". O lugar mais isolado era a sua depressão, e agora, se perguntassem para ele o que fazia da vida, poderia dizer com toda a convicção, “eu escrevo”.