O pingente no armário
A sala vazia significava que era hora de ir. Ela deu uma última olhada para se certificar de que não tinha esquecido nada.
Quem sabe um papel importante largado em um canto ou justamente a chave que não podia perder.
Nada. Tudo vazio.
Olhou a casa que deixava. Naquela parede ao lado da porta havia um quadro, lembrou com carinho. Uma pintura feita de muitos planos, vinho e alguma promessa.
Na parede oposta, viu o sofá alaranjado nas tardes mornas de verão.
E as cortinas? Leves, coloridas, dançando nas noites frescas perfumadas pelo jardim.
Tudo aquilo era passado e pertencia a um outro tempo, a uma outra pessoa que ela já não era.
E como quem tem que partir mesmo amando porque não vê alternativa, se agarrou a qualquer detalhe para ficar mais um pouquinho.
Precisava de mais uns minutos, qualquer coisa que justificasse mais um tempo ali.
O armário do corredor.
Lá, ainda não tinha dado uma última olhada.
Munida de esperança, largou a bolsa no chão e partiu para aquelas portas que a receberam compreensivas.
Abriu primeiro a da direita. Vazia.
A da esquerda, teve medo de abrir.
Sabia que seria a última chance, a última desculpa para finalmente admitir que tinha acabado, que tinha que ir embora.
A porta, cúmplice da angústia dela, emperrou na parte de cima e ela, reconhecidamente feliz por aquele gesto, prolongou o momento enquanto pôde.
Finalmente o armário cedeu e se mostrou por completo.
Ela, ansiosa e ofegante de esperança, parou de respirar.
Não estava enganada! Havia algo! E agora se mostrava brilhante e carregado de importância.
Uma caixa. Pequena. Vermelha. Coberta de poeira. Rasgada pelos anos.
Uma confirmação clara de que ainda havia algo para ser olhado, explorado e quem sabe até desejado.
Ela tremia. A caixa, permanecia em silêncio.
Lentamente ela tocou o papel gasto e puxou a caixa.
Nervosa, refletiu que talvez fosse melhor não abrir.
Talvez fosse melhor manter a caixa intocada e guardar aquele momento como uma profecia, uma anunciação de que dentro dela havia algo importante que mudaria sua vida. Era uma forma de não perder a esperança, de seguir acreditando.
Suspirou longamente. O sol do fim da tarde entrava pela janela e a seguia até o armário.
A caixa, vermelha de nascença e agora de importância, aguardava pacificamente.
Com dedos trêmulos, ela procurou a tampa.
Abriria.
E se lá não houvesse nada significante, fecharia o armário, trancaria a porta e deixaria para trás de uma vez por todas aquela casa.
Aquela vida.
A tampa cedeu com facilidade.
Ela segurou a respiração até que os olhos se acostumassem.
Uma rosa seca, um laço vermelho, uma embalagem vazia de perfume, um bilhete ilegível e algumas figurinhas.
Decepcionada, vasculhou a caixa em busca de algo mais até que seus dedos perceberam o pingente preso em uma fita.
Folhas douradas perfeitas emoldurando um cacho de uvas verdes.
Não um verde qualquer. Um verde forte, feito de pequenas pedras que brilhavam sob o sol.
Ela lembrava daquilo.
Era um pingente que virava broche, que virava brinco.
Na época, estranhou porque ou comprava dois pingentes para ter um par de brincos, ou usaria um só em uma orelha.
Riu da lembrança. Por muitas vezes, usou um só brinco.
Colocou o cacho de uvas na mão e o olhou demoradamente. Quem havia sido a menina que o usara?
As imagens vieram com facilidade e tinham um gosto azulado, quase um desafio.
Era alguém que vivia em um bosque onírico pleno de chuvas férteis e de ideias sem fim.
Que absorvia as horas, vividas no deslumbramento das histórias contadas e não contadas em livros.
Que tinha sonhos, planos que um dia realizaria.
E o amor verdadeiro? Uma promessa que passava pela rua todos os dias.
E quando a noite chegava e o vento trazia histórias de épocas que ela ainda não tinha visto, fechava os olhos e tocava com dedos ávidos as cores do tempo e da eternidade que se anunciava.
Tudo há tanto tempo...
E quase sem querer ela se viu sorrindo com e para o pingente de cacho de uva na casa silenciosa.
Ele ainda era mesmo, ponderou. Ela não.
Tantos olhares nas paisagens que passavam pelos anos e pelas portas, haviam consumido o encantamento pelas cores dos musgos de outrora.
O pingente permaneceu imóvel, solidário, ouvindo com compreensão os pensamentos que ela gritava por todos os poros.
Quando o sol se pôs e a noite chegou ela finalmente se moveu.
A casa tinha outra cor agora e ela reparou.
A sala era grande e confortável. Nela, livros indescritíveis seriam lidos com a música da chuva no telhado.
Não se lembrava porque tinha que ir. Nem porque havia decidido mudar.
Com muita suavidade guardou as coisas e colocou a caixa vermelha no armário.
O pingente permaneceu na mão.
O cacho de uvas brilhava sob a luz da lua quando ela passou a fita pelo pescoço.
Com um sorriso, a menina viva de outros tempos a saudou.
E nunca, em momento algum, um pingente se aninhou tão perfeitamente no colo de uma mulher.