A Lenda Perdida

A Lenda Perdida

No interior Amazônico, em noite de lua cheia, ele saia das profundezas dos rios, se aproximava das festas nos arraiais das vilas e lugarejos distantes e ia paquerar as moçoilas casadoiras. Chegava sorrateiramente por entre as matas ribeirinhas encantava as cunhãs, tirava-as para dançar ao som do lundu, brega, lambada, carimbó, zouk, e outros ritmos amazônicos, deixando-as perdidamente apaixonadas a ponto, de se entregar àquele desconhecido encantador, muitas vezes confundido como o filho do prefeito, ou pessoa influente daquele lugar. Mas quando a festa acabava o danado do encantado voltava para o fundo do rio, deixando a formosa cabocla com o belo sorriso sumido.

Na vila a fofoca corria de boca em boca, por causa da virgindade perdida naquela noite de lua cheia. A mais desejada cabocla do lugar em seu barraco se escondia, com vergonha da barriga que crescia, encurtando o seu vestido na passagem de cada manhã, como prova do casto pecado, de ter sido embuchada docemente pelo boto conquistador.

Nove meses após aquele ato de amor criticado, surgia um belo menino, que cresceu na esperança de ser pescador e que um dia sem saber irá pescar o pai com que tanto sonhou.

Mas o tempo foi passando e o homem em sua ignorância ou ambição foi destruindo a natureza, enquanto o malandro do boto aprontava das suas, na passagem de cada noite de luar. Só que o espaço de atuação cada vez mais diminuía, até que um dia, chegou aos arredores da cidade grande, fugindo da poluição produzida pelo homem, adentrou num leito de rio, cujas margens barulhentas chamou sua atenção, transformou-se num caboclo sarado e conquistador.

Ele não sabia que o arraial havia virado boate ou casa de diversão noturna e assim que avistou uma bela morena, dela se aproximou jogando o seu charme, porém devido à poluição das águas navegadas, o encanto terminou, por mais que tentasse, nada conseguia para manter viva a lenda de conquistador, desesperado volta para a margem do rio, tentou se jogar e notou no reflexo da lua brilhante, as águas impuras, com entulhos boiando ao sabor da maré, era uma cena que jamais havia imaginado, não teve coragem de enfrentar aquela sujeira.

Sem esperança embrenhou-se na selva de pedra, a procura de um leito de rio mais puro e cada vez mais se desesperava, pois só encontrava canais pavimentados, ou verdadeiros esgotos a céu aberto, num total desrespeito a natureza. Porém, marco da engenharia moderna.

O dia amanheceu o encanto do boto perdeu-se na madrugada, transformando-se em mais um mortal, para enfrentar na cidade grande, as mazelas da humanidade sofrida. Então, para poder sobreviver, tentou ser camelô, feirante, empunhou até bandeira de político para ganhar algum trocado, durante a campanha eleitoral, participou de programas de assistência à cidadania, cortou seu cabelo, tirou documentos, e numa segunda feira enfim, conseguiu um emprego com carteira assinada, foi ser Office boy numa multinacional.

Um belo dia, ao passar pela feira do Ver – o – Peso, ficou estarrecido quando viu pendurado em uma das bancas, o sexo de seus parentes, expostos à venda como matéria prima de mandingas para conquistar um novo amor. Mas já fazia algum tempo que não praticava essas coisas, seu subconsciente falou mais alto, adquiriu o produto ofertado na feira, após passar algumas gotas da mistura mágica pelo corpo, seguindo as orientações da vendedora de milongas, aproximou-se da secretária do chefe, jogou seu charme pensando ainda ser possuidor dos poderes da sedução, qual a sua decepção ao ser repelido por sua colega de trabalho, que estava atraída pela carteira recheada do chefe, sem os atributos físicos que até então em sua mente imaginara.

A desilusão foi total, olhou pela janela do prédio da empresa que ficava no 17º andar e viu o rio não muito afastado dali, na sua óptica, porém, imaginava que o rio passava logo abaixo, e se jogou no espaço vazio se espatifando não muito distante da calçada em frente, chamando atenção dos curiosos que por ali passavam.

Na sua trajetória para o fim, seu chapéu foi levado pelo vento, caindo nas águas poluídas do canal urbano, boiando ao sabor da correnteza da água fétida que ali corria, sendo recolhido por um mendigo que por acaso passava naquela ocasião.

ACM Cavalcante
Enviado por ACM Cavalcante em 21/06/2013
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