A Minha Música

Até meus quinze anos eu era totalmente recluso. Tímido, de poucos amigos, um cara de quem as garotas nunca lembrariam o nome. O tipo mais comum que pode existir. Comum demais.

Aos quinze anos, porém, meu cantor favorito lançou uma nova música, que logo se tornou minha música favorita. A minha música. Ela possuía meus ouvidos, me levava às nuvens, me fazia esquecer completamente da realidade.

Foi por isso que eu esqueci que estava na sala de aula enquanto ouvia a tal música discretamente com fones de ouvido, no fundo da sala, para que a professora não notasse.

Era aula de artes, e todos estavam compenetrados em seus trabalhos em grupo. Todos, menos eu, que não tinha nenhum grupo.

Então minha música começou a tocar. Como eu disse, eu me esqueci completamente de que estava na sala de aula. E comecei a cantar. Primeiro bem baixo. Depois eu me empolguei.

Quando a música acabou eu abri os olhos. Vi toda a classe me olhando espantada, no mais completo silêncio. O sangue esquentou minhas bochechas. Eu já ia me desculpar, mas, para minha surpresa, o que veio a seguir foi uma salva esplendorosa de palmas. Todos aplaudiam, inclusive a professora, enquanto eu continuava lá, vermelho e boquiaberto.

A professora me pediu para participar do sarau da escola. Já me incluíram logo num grupo. As garotas faziam comentários sobre o garoto que, agora elas sabiam, se chamava Miguel. Muitos tapinhas nas costas e novos amigos nas redes sociais. Eu estava gostando muito de ser popular.

Logo minha fama se espalhou pela escola, e todos esperavam ansiosamente pelo sarau. Inclusive eu.

O dia esperado chegou. Coloquei meu violão nas costas e fui à escola, carregando o beijo de boa sorte de minha mãe.

Na hora da apresentação, toquei e cantei a minha música favorita, como já era de se esperar. Mas, no meio da música, quando quase todos cantavam comigo e dançavam entusiasmados... bem, eu notei que eram quase todos.

Havia uma garota que não estava dando a mínima para o que acontecia ao redor dela. Apesar de todo o barulho, ela não tirava os olhos de seu livro.

Eu a observava enquanto cantava. Ela, finalmente, notou que eu a olhava, ergueu os olhos por um único momento, me encarou, e voltou a ler. Como eu insistia em observá-la, ela sentiu-se incomodada, levantou-se e se foi para a biblioteca, quase no mesmo momento em que acabava de cantar e todos me aplaudiam. Agradeci, meio murcho, e desci do palco.

Perguntei a algumas pessoas sobre a garota do livro. A maioria nunca a tinha visto. Apenas uma das meninas, Lúcia, sabia quem era a tal garota.

Impressionei-me ao descobrir que a garota do livro era surda e muda. Seu nome, por mais incrível que possa parecer, era Melody. Lúcia disse que, apesar da deficiência de Melody, elas se comunicavam muito bem por leitura labial, e que Melody era muito legal e inteligente, embora tímida.

Por fim, Lúcia me perguntou o motivo do interesse, ao que eu respondi que só queria saber o que ela estava lendo. Lúcia disse que achava que era um romance policial, ou algo do tipo.

Passei a encontrar Melody nos corredores todos os dias. Ela era a única que não me cumprimentava. Beijos, abraços, apertos de mão e tapinhas nas costas, e Melody passava por mim completamente alheia ao que acontecia fora de seu livro.

Passaram-se semanas e meses, e Melody continuava me ignorando completamente, enquanto eu continuava na esperança de que algum dia eu pudesse entender o mundo silencioso em que ela vivia.

Um dia eu resolvi que tinha que fazer algo a respeito. Peguei o meu melhor livro de mistério. Quando ela passou por mim no corredor eu a detive. Ela me olhou com ar interrogativo e eu entreguei-lhe o livro, com um breve "É pra você". Ela sorriu. Agradeceu com um "Muito obrigada" sem som.

Enquanto ela ia embora, no meu fone tocava a minha música. Mas tudo o que eu ouvia era o som de um sorriso silencioso.

Gabi Correia
Enviado por Gabi Correia em 09/06/2013
Código do texto: T4333369
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