OLHARES

Olhares sempre me incomodaram. Eu os fico observando fixamente quando silentes estão as bocas que se calam diante do que se vê ou do que não se vê. São incomuns, normais, apreensivos, amedrontados, felizes, vibrantes e alguns... paralisados, quase inertes.

Aquela mulher olhava para o nada. Não havia nada naquele lugar pra se ver. Seus olhos, porém, estavam fixos e parecia não piscar. Os olhos estavam vidrados, úmidos e a mulher completamente imóvel. Parecia ela uma estátua grudada àquele banco de praça cuja Matriz ficava à frente, mas que ela certamente já estaria cansada de olhar. Não era para o monumento do início do século passado que ela olhava. Não piscava, mas seus olhos tinham uma umidade incomum de olhos vidrados embora a boca negasse qualquer palavra. Seu rosto já com algumas rugas denuncia seus sessenta anos ou mais e mesmo assim estavam sem movimento algum. Eu estava num banco próximo, observando as árvores da praça e as nuvens negras no céu que ameaçavam deixar cair na terra grossas gotas de água numa chuva torrencial.

Entretanto nada fazia aquela mulher sair de seu mergulho em si mesma, num êxtase profundo dos santos místicos como Terezinha do Menino Jesus. Lázara, como era conhecida aquela mulher estava mergulhada na solidão de sua vida de mulher de homem nenhum e de lembranças vagas da infância tal qual a vista dos marinheiros em meio a uma névoa espessa.

Ela nasceu num lugar distante. Não conheceu o pai e tem apenas uma vaga lembrança de sua mãe. Lembra-se apenas do sorriso dela, com um encanto de mãe nova, que certamente deveria ainda estar brincando com bonecas. Falecera pouco depois, subitamente, e ela foi entregue a uma tia. Aos cinco anos de idade já estava no mundo, sem lugar e sem colo. Foi morar num abrigo. Saiu moça formada, bom emprego e ficou sendo colaboradora do internato. Estava lá sempre que podia, quase que continuou morando com outras crianças. Sentia-se bem ali.

Mudou-se para longe um dia. Foi viver a vida e correr atrás de seus anseios. Tinha uma foto da mãe quando ainda era menina e esta estava sempre em sua bolsa. Era todo o seu passado. Tudo o que sabia de si mesmo. Trabalhou em lugares vários e distintos. Conheceu a seca e o mar, conheceu a chuva e o sertão. Conheceu o mundo mas não conhecia nada dentro de si. Faz tempo que ela mora nesta cidade. Colabora com vários meninos e meninas sem lar, mas não conseguiu o seu. Vive só.

Aquele banco estava sendo sua vida e seu suporte. Eu a fiquei olhando quando de repente ela levantou-se e pareceu enxugar uma lágrima. No alto falante da igreja anunciava que a missa do dia das mães iria começar.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 13/05/2013
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