DEPOIMENTO: ARREPENDIDO

Arrependimento não tem cura. Se existisse, não haveria o penar. Assim sendo, devo uma única confissão: a dor que deixei em um gato. Com o dedo do meio, entre a pressão e o prazer, desferi golpes contra os testículos do gatinho. O bichano sequer resmungava, apenas guardou um pavor monumental à minha sombra, ao meu cheiro, aos meus passos; à minha não-pessoa. Tempinho depois: castraram o bichinho. Certamente perdeu a sensação do gozo. Obviamente ficou um animal menos selvagem. Mas, ainda nenhuma dúvida: a aflição amalgamou-se ali. Tanto que o gato passou a desconsiderar qualquer possibilidade de carinho na região, mesmo na barriga ou na formação da cauda, áreas de apreço pela carícia: nada! O bichano ficou arredio à passada de mão que não fosse do pescoço à cabeça apenas. Arrependimento não tem cura. Para ele eu era ninguém, mas nem assim me fez conforto. Arrependimento é um bicho que só! Não haverá terapia, não haverá reanimação astral, não haverá espiritualidade, não haverá alopatia. Arrependimento corrói. Talvez a dor do bicho, não: essa, tenho certeza de que já passou, e sei que se o felino me olhasse, nem reconheceria. Mas a minha dor está lá. E estará, ainda que o bichano não mais esteja entre nós. Doa em quem doar a minha dor: que nunca mais se preste um inocente à maldade dessas! Arrependimento padece – escrever, neste caso, é aliviar – um pouco. Prefiro o arrepender daqueles que, ao lerem, julgar-me-ão insano, cruel, desumano. A não-pessoa daqui sente menos do que a que feria o pobre gato. Isso é uma possibilidade de cura. Muito obrigado.