Felicidade regada a Moloko Vellocet
Gus olhava seu reflexo na agua parada da fonte velha, passando os dedos sobre seu olho roxo que ainda doía da briga na noite passada. Estava feio, inchado e mal consiga abrir as pálpebras. Sentou na fonte e respirou fundo, por sorte, um olho roxo foi tudo que sofreu naquela noite, já seu amigo Dus foi esfaqueado e, nesse momento, estava em um hospital, internado por causa da perda de sangue.
Olhou o anjo da fonte, cuspindo agua como se nada importasse. Gus não gostou muito daquele anjo, já era hora de alguém tirar aquele sorriso estupido e esnobe. Ele se levantou e bateu na calça, tirando a poeira, olhando ao redor alguma coisa para quebrar o anjo, até que seu amigo, e líder, chegou em sua moto, usando apenas um ray-ban e uma calça verde escura. Seu nome era Jus, e Gus tinha certo preconceito por ele ser negro, e principalmente por ser careca.
Antes que ele se aproximasse, deu mais uma olhada em seu rosto e sorriu sem um dos dentes da frente para seu reflexo, que sorriu de volta.
__Se não é meu amigo Gus. –disse com a voz de trovão- Como anda meu amigo?
__Formidavelmente bem. –sorriu para o chefe, enfiando as mãos no bolso da calça- Estava olhando esse anjo Jus, e como ele é esnobe. Mesmo sabendo que nosso amigo está no hospital, ele continua rindo.
__Você contou pra ele? –riu-
__Todos os anjos sabem de nossos pecados. –voltou a sentar na fonte, Jus sentou no chão, acendendo um cigarro mentolado que ofereceu a Gus, aceitando prontamente- Ou você acha que eles vão esquecer tudo que nós fazemos?
__Eu não me importo. –coçou a barba ao fazer- Roubar, matar, estamos só sobrevivendo. Se eles querem me mandar pro inferno por isso, o que eu posso fazer? Se nós não revidássemos, poderia ser você também naquele hospital.
__Nós que começamos a briga.
__Nós que a terminamos. Porque está todo sensível hoje Gus?
__É esse anjo idiota.
__Não seja por isso.
Jus se levantou, bateu na calça para tirar a poeira e olhou ao redor, procurando alguma coisa. Gus apontou um tijolo solto que servia de perna para um banco de concreto da praça abandonada. Jus o apanhou e, sem ao menos mirar, atirou o tijolo, quebrando em vários pedaços a cabeça daquela estatua, a agua começou a jorrar em todas as direções, inclusive em Gus.
__Pronto. Isso foi por ele caçoar de você.
__Obrigado Jus.
__Está se molhando. –riu e voltou a se sentar- Saia daí meu amigo.
__Vai ver é o sangue dele. –sorriu passando a mão sobre o olho-
__Dus vai sair dessa, não se preocupe.
Gus atirou o cigarro apagado longe e se levantou, dando mais uma olhada em seu rosto. Com certeza ele se saiu bem na briga, eram cinco contra nove, apenas Dus estava no hospital, o resto apenas um tanto machucados, mas dos nove, eles conseguiram enviar um bom número para uma longa estadia nos hospitais ou em suas casas.
__Já sei, falta um pouco de moloko nesse seu sangue. –riu Jus, terminando o cigarro- Vamos lá, bebemos um pouco e você descansa um pouco sua mente.
__É, pode ser bom… –deu uma ultima olhada para seu rosto- Não… As mulheres vão me achar feio.
__Está de brincadeira? Mulheres adoram um machucado.
E realmente adoravam, no Moloko, Gus e Jus estavam sentados em sofás de veludo roxo, bebendo Moloko Vellocet, enquanto mulheres dançavam ao seu redor e em seus colos. Gus sorria com seus vinte anos na cara, já Jus sorria com seus quase trinta, mas os dois compartilhavam aquele momento, brindando a cada nova dançarina, beijo ou caricia que recebiam. A cada brinde, brindavam também pela saúde de Dus.
Saíram de lá um apoiado no ombro do outro, ainda rindo e cada um com um copo de Moloko Vellocet na mão à terminar. Quando chegaram na moto de Jus, o mesmo riu e pôs o ray-ban, rindo para Gus.
__Vamos indo?
__Para aonde agora?
__Bem, matamos um anjo, transamos com vários anjos… –riu e terminou o copo, jogando longe- Para onde? Para onde Deus quiser!
__Como se Deus quisesse alguma coisa. –mostrou o dedo do meio para o céu e riu, subindo na garupa da moto- Vamos, dirija para onde bem entender, deixe que o moloko na sua cabeça decide.
__Ah meu amigo Gus, com tantos copos de moloko na minha cabeça, se eles não decidissem alguma coisa, seria por puro milagre!
Saíram cantando pneu, levantando poeira, rindo alto. O cabelo de Gus balançava freneticamente, e daquela tarde, foi a ultima coisa que se lembrou. Acordou sentado em uma cadeira azul desconfortável, com a cabeça no ombro de Jus.
Levantou a cabeça e limpou a baba no canto da boca, olhou para o ombro forte de Jus e riu, ao ver a baba ainda escorrendo. Ele dormia com o óculos torto em seu rosto, de boca aberta e roncando como um porco. Gus se levantou e se espreguiçou. A enfermeira sorria para ele atrás da bancada, desligando o telefone. Foi então que percebeu onde estava e aos tropeços foi até a enfermeira, que lhe dirigiu um sincero sorriso.
__Desculpe dona enfermeira mas… –olhou para os lados- Aqui é o hospital onde Dus está, não é mesmo?
__Dus? –disse olhando os arquivos-
__Dus não… Richard Donson Quinto.
__Ah sim. –sorriu pousando o dedo em uma das folhas do pesado caderno- Sim, sim. Ele está estável, ferimento na região lombar não é isso? Não corre perigo.
__Então o pequeno Dus vai estar pronto para mais uma em breve.
Riu voltando para o lado de Jus, e ainda rindo, imaginou seus próximos dias. Briga com outras gangues, tardes de aventura com os amigos, arriscar a vida na moto de Jus e, é claro, anjos regados a moloko ao crepúsculo.
Adormeceu e sonhou com o momento perfeito; ele, Jus, Dus e seus outros dois companheiros, Mus e Vus, deitados em uma cama gigante purpura, aveludada, onde anjas vinham com bandejas de moloko, dançavam e amavam sobre ele e seus amigos, despejando aquele leite em suas bocas. E foi então que ainda dormindo sorriu, pois sabia que ele vivia aquele sonhos em todos os crepúsculos, no bar de sempre, Moloko.