O Contador de Estrelas.

Era sempre assim quando Pagacho tinha que resolver algum problema seu. Desse jeito ele achava suas soluções. Seu modo de vida estava repleto de filosofia. O problema parecia evaporar-se e um sorriso singelo sempre o trazia de volta para casa.

Uma noite enluarada era-lhe um prato cheio. Contava as estrelas uma a uma até ter seus problemas longe de si, talvez diluídos entre as estrelas do céu.

Magnólia havia acabado o namoro de onze anos. Começaram a namorar ainda novinhos. Ele, bastante apaixonado; ela, distraída do amor, quase insensível às coisas da vida. Vestia-se muitíssimo bem, passeava muito, mas pouco admirava o mundo. Era como uma autômata. Vivia para engolir, vencendo o tempo.

-Não há mais nenhuma maneira de você voltar atrás, Maga...?

-Não há, Pagacho. Não tolero nem mais um pouco este amor. Acabou mesmo! Procure outra que admire as estrelas como você. Sou de outro mundo.

Na solidão do pós-romance, ele lembrou-se de procurar as estrelas do céu da ilha. Lá, enebriava-se, encantava-se ao vê-las e ao ouvir os sons repetidos que as ondas do mar faziam. Deitou-se na areia branca que a noite pintara de escuro e olhou o céu. Viu, na imensa tela desse céu magnífico, sua vida estampada. Lembrou-se de tudo, lá do iniciozinho de seu namoro. Preferiu lembrar-se com alegria, não construir nenhuma lágrima. Queria descobrir uma nova maneira de viver sem Magnólia e não ficar triste. Achou esse desafio entre as estrelas cintilantes que admirava. Olhou mais firmemente para o céu, abriu bem o seu coração e sentiu-se como um cometa. Foi aos ares com o pensamento, buscou caminhos encantados e enfeitiçou-se com a musicalidade do luar. Tornou-se um pensador entre os astros.

Ficou esparramado na praia até muito tarde. Teve que retornar. Seus pais estavam ansiosos com a sua demora.

No caminho de volta que fez, enfrentou o velho tapete de pedras que cobria a areia do vilarejo. A Lua alta no céu era o seu farol. Guiava-o sem erros. Ninguém estava nas ruas. A noite fria falava na força do vento e aqui e acolá enxergava-se uma janela iluminada por uma luz bruxuleante.

Esse gesto, esse caminho, Pagacho fez por longos anos. Esqueceu-se de lembrar de Magnólia. Sua vida tomou o rumo das estrelas e ele apenas as via no céu, quando admirava as noites enluaradas e estreladas. Ela, por sua vez, envolveu-se com outras estrelas diferentes das suas. Meteu-se com droga e prostituição. Certa noite, quando ele admirava o céu e contava as estrelas, deitado na praia da ilha do Espanto, recebeu a companhia de Magnólia. Sem vê-lo, deitou-se na praia e pôs-se e injetar drogas em suas veias; ela e uma outra companhia estranha.

Pagacho não deu bola para as duas. Continuou a contar estrelas e sonhar acordado com a imensa Lua que brilhava no céu, no fim do horizonte que tinha à sua frente, quase se molhando nas águas longínquas do mar-oceano.

Era tarde. Ela viu alguém, reconheceu-o e gritou:

-Pagacho, meu amor, não quer ficar numa boa comigo? Venha, eu lhe dou um punhado de estrelas que o meu pó me faz ver. Venha...

-Depois eu irei, Magnólia, é que tenho de fazer algo antes.

-O quê?

-Contar as estrelas deste céu maravilhoso.

-Contar as estrelas? Então você está louco!

-Não..., estou são!

-Mas elas são tantas que você não conseguirá contá-las nunca.

-Será? O que é mais difícil: sonhar sempre contando as estrelas que vemos ou ter as outras estrelas nas mãos só enquanto vivemos a orgia das drogas? O que lhe parece mais real?

-As que eu vejo, doidona, são mais bonitas que as suas.

-Então deixe-me admirar as minhas reais. Elas são tão belas que não me permitem admirar mais nada. Eu prefiro vir para esta praia todas as noites e jamais terminar minha contagem. A sua, acho que não demorará a ter um fim. Deixe-me então quieto.

E assim, o jovem aprendeu a entender e respeitar a súmula do sofrimento estrelado dos outros e contentar-se com as estrelas e as noites escolhidas para admirar. Ela, por sua vez, encantou-se com a morte ainda cedo e não pôde frequentar mais muitas noites aquela praia onde as estrelas do céu e o contador de estrelas viviam sempre de mãos dadas, um a reverenciar a beleza do outro. O pó que cabia entre eles era só a areia alva da praia da ilha e nenhum outro. Ela perdeu-se no firmamento infiel que coube nos seus sentimentos e não pôde viver feliz ao lado do contador que tanto lhe amava.