* Para ajudar o entendimento deste texto, peço que vocês leiam o conto “Olha Só Quem Veio Jantar!”.
http://www.recantodasletras.com.br/contos/4147922
 
Acho fundamental conhecer o perfil dos personagens envolvidos na narrativa.
Supondo que alguns leitores, entretanto, ficarão preguiçosos e evitarão ler o conto, eu posso resumir dizendo o seguinte:
 
Um dia os simpáticos moradores de uma mansão receberam um telegrama da Senhora Morte no qual “a amiga dos cemitérios” informava que viria jantar e, durante a manhã, viajaria acompanhada.
No final do conto, após a visitante partir, todos perceberam que a grande expectativa causada pela visita foi precipitada e desnecessária.
A Senhora Morte apenas usou a mansão para desfrutar uma ótima noite com boa comida e cama.
Ela veio buscar o jardineiro que trabalhava no turno matutino.
Dessa forma, nosso conto pretendeu ressaltar os dedicados profissionais que cuidam dos jardins, homenageando especificamente Tonho das Pingas, o jardineiro que efetuou a inevitável viagem, conforme o implacável destino definiu, naquela ocasião.
 
Os acontecimentos narrados agora ocorrem um ano depois do envio da mensagem que tanto inquietou a mansão.
É importante saber que, além das pessoas já conhecidas, existe um novo integrante, Edgar, o atual esposo de Dulcinha.
O empresário resolveu construir uma fábrica na cidade, chegando ao local exatamente na tarde em que Dulcinha, de manhã, lastimou não ter sido a escolhida da Senhora Morte.
A disposição da ex-louca, sempre alimentando uma mórbida vontade de “viajar”, mudou radicalmente após conhecer o jovem rapaz.
Dulcinha nunca mais desejou morrer e jamais voltou a pensar em doenças.
Atualmente a moça passa o tempo todo freqüentando salões de beleza e academias, objetivando manter a forma e estar muito atraente, pois o marido, nos instantes de folga, pratica a arte do sexo com bastante ênfase.
Vocês devem também saber que Dona Maroca contratou um novo jardineiro. Seu João é solitário, mora sozinho, no entanto não nutre vícios. Ele costuma ler livros de Monteiro Lobato.
O nobre senhor já emprestou um ou dois livros a Dona Maroca, que faz recordar a querida Dona Benta da ficção.
Pronto!
Depois dessas informações vitais, acho que podemos começar a narrar nossa história.
 
* Pedrinho notou Dona Maroca pálida lendo o telegrama que o garoto lhe deu o qual acabara de ser entregue pelo carteiro.
O telegrama dizia o seguinte:
 
Hoje venho jantar e dormir.
Amanhã, no final da tarde, viajarei acompanhada.
 
Dona Maroca mandou um recado para a fábrica pedindo a presença imediata de Edgar na mansão.
Quando todos estavam reunidos, ela tensa leu alto o telegrama.
 
A Senhora Morte destacou que viria jantar, contudo, se só partiria no término da tarde, ela também almoçaria no dia seguinte.
Bastaria, então, apenas comparecer à mansão no dia posterior, porém o recado deixava claro que a indesejada senhora não dispensa um jantar.
Essa dedução, sem dúvida, era o que menos incomodava os moradores. A grande indagação preocupante era outra:
Quem acompanharia a Senhora Morte?
O medo que dominou o pensamento de todos parecia completamente justificável.
 
Logo descartaram o jardineiro já que Seu João trabalhava apenas de manhã.
A Senhora Morte não pretendia evitar a sua chegada à mansão, repetindo a ação do ano passado quando levou o jardimeiro Tonho das Píngas.
O atual jardineiro não corria risco.
A Senhora Morte, folgada demais, não usaria novamente a mansão como um excelente hotel almejando levar alguém que não morava lá.
Tudo indicava que um morador da mansão “viajaria”.
Essa conclusão suscitou um profundo desespero.
Mais uma vez Pedrinho não ligou, porém os outros não anularam a possibilidade da Senhora Morte querer levá-lo.
 
Dulcinha começou a tremer, pois achou que a Senhora Morte talvez quisesse atender aos insistentes pedidos dela do pretérito.
Ou poderia estar querendo levar o fogoso empresário.
_ Isso não parecia correto - dizia a moça chorosa demais.
 
Dona Diana e o marido seguiram abatidos para o quarto e levaram Pedrinho junto. Seu José perdeu os últimos fios de cabelo que possuía depois da informação.
 
Tio Macedo, o contador de causos, recordou que, há uns dois meses, nunca mais contou uma história sobre a Senhora Morte. Isso poderia ter aborrecido a ilustre visitante?
 
Dona Josefa, que, nos últimos dias, experimentava uma enxaqueca repetitiva, foi preparar o jantar.
Ela decidiu servir um ensopado de carne, mas começou a cozinhar muito desatenta.
 
Quase não houve conversas durante a tarde.
Dona Maroca fiscalizou a limpeza da mansão, todavia a doce matrona não conseguia se concentrar em nada.
Afinal de contas, ela ou um dos familiares estimados não estaria mais ali na noite seguinte!
 
Dulcinha cancelou o salão e a academia. Edgar não retornou para a fábrica, contudo não sentiu a mínima vontade de transar. O rapaz e a provocante esposa permaneceram no quarto calados.
 
À noite, sempre pontual, a Senhora Morte tocou a campainha.
Após cumprimentar todos sorridente, demonstrando uma simpatia especial ao apertar a mão de Edgar, o jantar foi imediatamente servido.
A Senhora Morte não elogiou a comida de Josefa, que estava sem sal.
Não quis repetir e foi apressada para o quarto, queria acordar cedo embora só fosse viajar no final da tarde.
Decidiram que ela dormiria solitária no quarto do menino Pedrinho. O garoto permaneceu com os pais, portanto não pôde usar o computador, protestando contra o impedimento.
 
O pavor acentuado invadiu a alma de todos excetuando o garoto Pedrinho e obviamente a Senhora Morte.
Uma tempestade (que a previsão do tempo deixou escapar) tomou conta da madrugada. Os trovões arrepiavam e faziam lembrar filmes de terror bem assustadores.
Várias corujas surgiram nas janelas da mansão. Elas ofereciam uma espécie de recado catastrófico do além.
Uivos de lobos ferozes foram escutados sem cessar.
Gritos estranhos de pessoas aflitas aumentavam o clima tenebroso quase generalizado.
Dona Josefa chorava no seu quarto.
Dona Maroca rezou dez terços até amanhecer.
Os casais dormiram abraçadinhos.
Tio Maneco fez xixi deitado.
 
Quando o dia amanheceu, A Senhora Morte tomou um banho, mais demorado do que na primeira visita, escovou os dentes, leu pacientemente o jornal completo e tomou um reforçado café da manhã.
Ela notou a falta do bolo ofertado, há um ano, por Dona Maroca, porém compreendeu a situação.
Depois disso assistiu aos programas globais silenciosa.
Todos permaneceram na sala, ao lado dela, observando a visitante entretida com a TV.
Na hora do “Encontro com Fátima Bernardes”, Edgar não suportou o sacrifício, inventou uma desculpa, foi ao quarto com a esposa.
No almoço Josefa serviu um cozido.
A Senhora Morte aprovou, elogiou o tempero e quis repetir o prato saboroso.
Para descontrair um pouco ela comentou que costuma ler minhas piadas, curtindo principalmente as sobremesas, na opinião dela, rápidas e interessantes.
 
Percebendo que ninguém estava desejando papear, a Senhora Morte decidiu passar o resto da tarde no quarto de Pedrinho.
Dezesseis horas Josefa serviu, no próprio quarto, um lanche rápido (um refresco de uva com biscoitos Maria).
Ela mandou avisar que, antes das dezoito horas, pretendia ir embora.
Na sala o recado transmitido por Josefa gerou um enorme desespero final.
Edgar, um empresário frio e objetivo, fez um breve discurso no qual agradeceu o carinho que sempre desfrutou de todos.
Dulcinha começou a soluçar abraçando o marido.
Diana e José, com Pedrinho no meio, uniram suas mãos.
Josefa e Maroca preferiram nada dizer.
Tio Maneco quase fez xixi sentado.
 
Faltando doze minutos para dezoito horas, a Senhora Morte desceu as escadas, agradeceu a atenção de todos, cumprimentou cada um, depois, segurando firme a famosa foice, saiu assobiando.
 
Os moradores da mansão continuaram silenciosos e quietos durante uns vinte minutos como se fossem estátuas.
O que teria acontecido?
Por que a Senhora Morte não levou nenhum deles?
 
* Cerca de vinte horas, o telefone tocou.
Dona Maroca atendeu e conseguiu solucionar o mistério, esclarecendo serena quem a Senhora Morte veio buscar.
 
Quem telefonou foi Clotilde, uma estimada amiga de Dona Maroca.
Ela indagou se a irmã, Débora, já estava na mansão.
Débora, explicou Clotilde, estava muito enferma, o médico deu a ela algumas semanas de vida.
Clotilde lhe indicou, então, a mansão para passar uns dias sossegada.
Combinou que ela chegaria à mansão dezoito horas e mais tarde Clotilde ligaria para confirmar sua chegada.
Débora também era uma grande amiga de Dona Maroca (formavam um trio animado no passado distante), por isso as duas irmãs acharam desnecessário um aviso prévio.
Não seria a primeira vez que Débora ficaria na mansão.
 
Dona Maroca concluiu que novamente a Senhora Morte quis aproveitar a hospitalidade do lar antes de levar uma pessoa que estava indo à mansão.
Débora, se aproximando da mansão, quase dezoito horas, conheceu a Senhora Morte e encerrou desse modo a sua jornada na Terra.
 
Sobre a tal Débora, nada eu posso dizer, pois só sei que era uma grande amiga de Maroca.
Esse conto nunca quis homenagear Débora nem busca destacar a profissão dela.
Aliás, qual seria a profissão de Débora?
Confesso que fiquei curioso.
 
Os moradores, depois das deduções esclarecedoras de Dona Maroca, aliviados retomaram a rotina.
Edgar quis compensar a diversão interrompida. Ele e Dulcinha passaram o resto da noite no quarto namorando sem parar.
Pedrinho resolveu conferir a minha escrivaninha, curioso com as piadas citadas pela Senhora Morte.
Dizem que as gargalhadas do garoto não paravam.
Dona Diana resolveu costurar um vestido bem bonito para usar no dia seguinte.
Seu José aprovou a idéia.
Tio Maneco estava ansioso para reunir os amigos e contar o seu mais novo causo baseado em fatos reais.
Josefa começou os preparativos para uma grande feijoada que seria o almoço do dia seguinte, prometendo caprichar.
Dona Maroca ficou contemplando o seu belo jardim naquela noite bonita de lua cheia.
Nenhum sinal de corujas, lobos famintos ou pessoas aflitas!
Tudo indicava que não haveria tempestade nessa madrugada, garantindo um sono restaurador e gostoso.
 
E eu?
Estou contente sabendo que ganhei um novo leitor das minhas piadas e que até a Senhora Morte aprova os meus textos humorísticos.
 
Encerrando a narrativa, admito que a família de Maroca, incluindo Dona Josefa, ressalta uma união bacana e um carinho coletivo que me emocionam bastante.
É difícil pra caramba conhecer esse pessoal e se afastar com facilidade!
Não é à toa que ela adorou o tratamento que recebeu na mansão tão hospitaleira!
Essa galera é porreta demais!
 
Creio que vale a pena sempre verificar se vai aparecer outro telegrama anunciando alguma visita a qual possa despertar apreensão e inquietação.
Eu prometo que vou ficar de olho!
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 13/03/2013
Reeditado em 09/04/2013
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