Le Pont des Arts
Leandro e Letícia ouviram, repetidamente, por oito anos, que a vida os havia feito um para o outro. Eram um casal perfeito. Casal perfeito, diziam os pais. Casal perfeito, repetiam parentes, amigos e todos os que os conheciam. Ao invés da rotina de uma cerimônia de casamento convencional, resolveram inovar, fazendo uma lua de mel antecipada: viajariam a Paris em setembro. Dez dias de pré-estréia. Dez dias de amostra do que seria a vida a dois. Leandro programou a viagem. Checou todos os detalhes da estada na Cidade Luz: hotel no Arrondissemant de Passy, próximo à Torre Eiffel, visitas curtas ao Louvre e ao Musée D’Orsay, uma noite no Moulin Rouge, uma tarde nas Galleries Lafayette para compras, passeio pelo Sena num Bateau Mouche e, por fim, Sacre Coeur em Montparnasse. No último dia, comprariam o cadeado e gravariam o nome dos dois na Rue Rivoli, avenida paralela ao Sena e iriam direto à Pont des Arts para prendê-lo na tela que protege o parapeito. Depois, jogariam as chaves no rio e a relação estaria selada para sempre, nos costumes.
E assim tudo aconteceu como programado: passeios em Paris, cadeado na Pont des Arts, o casamento do ano na cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Dispenso a descrição da solenidade porque nada de extraordinário aconteceu.
Cinco anos e dois filhos depois, podia-se suspeitar da afirmação de que Leandro e Letícia tinham sido feitos um para o outro. Ambos tinham dúvidas, mas foi Letícia quem tomou a decisão de acabar com elas: numa tarde de domingo de abril de 2003, comunicou a Leandro que queria a separação. Iria se separar dele e da história dos dois. Paris era passado. Filhos, uma questão a ser administrada. Pont des Arts e cadeado, uma farsa. O passeio pelo Sena e uma cesta cheia de questionamentos foram deixados de lado. Na cabeça, apenas assertivas e certezas. Nada de se falar de sonhos repartidos, de sonhos não realizados e perdidos definitivamente. Para Leandro, todo o futuro acabava ali. Aliás, para ele, futuro passava a ser algo impensável, fora do grupo familiar. Ficar longe dos guris. Ficar longe da poltrona onde assistia os jogos do Grêmio, ficar longe do bar dos drinques, do freezer da cerveja onde passou memoráveis momentos com amigos a justificar existências, quaisquer que fossem, quer de abraços comovidos, quer de disputas ideológicas de política, futebol ou religião. Teria de abandonar o castelo, que é o lar-refúgio de um guerreiro, seu mais definitivo abrigo, muito antes que o colo da primeira amada. Toda essa perda derretia Leandro, como o relógio de Dali, pelas calçadas do pátio da casa.
Em momento algum, no entanto, questionou a decisão de Letícia.
Foram tempos duros. Não tinha sido treinado para cuidar de filhos. Ficar com eles era uma angústia. E se adoecessem, o que faria? Ao mesmo tempo, era tudo o que queria. Filhos perto, dividindo a vida, ensinando-os a serem homens, passando a eles o que tinha recebido do pai. Imaginava que seria mais fácil tudo isso se não tivesse que assumir, nestes dias, também, o papel de mãe. Mas aceitou o que não estava disponível a uma escolha pessoal.
Aos poucos resgatou amigos, o suporte das separações inesperadas.
A distância de Letícia ia fazendo com que Leandro descobrisse a possibilidade de viver só. Não havia par perfeito. Não havia "um feito para o outro". Levou tempo para perceber que era um ser autônomo, que respirava sozinho, que podia dormir sozinho, que podia cuidar dos filhos sozinho. Mas chegou lá.
A cada semana uma nova descoberta. O jeito delicado, a poesia posta nos olhos, a disponibilidade para ouvir, a independência financeira e afetiva, faziam-no muito interessante, como homem, naquela época. Teve alguns casos. Uns mais sérios, outros passageiros.
Era primavera quando conheceu Rejane. Quase a amou.
Digo quase, porque havia Letícia.
Letícia trazia guardada com ela a chave da felicidade de Leandro. E Letícia não estava feliz. E Letícia não queria que Leandro fosse feliz. E Leandro acreditava que a chave da felicidade dele estava com Letícia.
Assim foi que Leandro perdeu Rejane.
Era outono, quando Leandro conheceu Susana. E Leandro quase amou Susana. Mas não tinha a chave para amar Susana. E Leandro perdeu Susana.
Em dezembro de 2.006, Leandro viajou a Paris. Foi até a Pont des Arts e conseguiu encontrar o cadeado gravado com o nome dele e de Letícia. Precisou voltar à Rue Rivoli, comprar um alicate potente, cortar o elo do cadeado e jogá-lo no Sena.
Em julho de 2.007, Leandro conheceu Fabíola. Está com ela até hoje.
Leandro e Letícia ouviram, repetidamente, por oito anos, que a vida os havia feito um para o outro. Eram um casal perfeito. Casal perfeito, diziam os pais. Casal perfeito, repetiam parentes, amigos e todos os que os conheciam. Ao invés da rotina de uma cerimônia de casamento convencional, resolveram inovar, fazendo uma lua de mel antecipada: viajariam a Paris em setembro. Dez dias de pré-estréia. Dez dias de amostra do que seria a vida a dois. Leandro programou a viagem. Checou todos os detalhes da estada na Cidade Luz: hotel no Arrondissemant de Passy, próximo à Torre Eiffel, visitas curtas ao Louvre e ao Musée D’Orsay, uma noite no Moulin Rouge, uma tarde nas Galleries Lafayette para compras, passeio pelo Sena num Bateau Mouche e, por fim, Sacre Coeur em Montparnasse. No último dia, comprariam o cadeado e gravariam o nome dos dois na Rue Rivoli, avenida paralela ao Sena e iriam direto à Pont des Arts para prendê-lo na tela que protege o parapeito. Depois, jogariam as chaves no rio e a relação estaria selada para sempre, nos costumes.
E assim tudo aconteceu como programado: passeios em Paris, cadeado na Pont des Arts, o casamento do ano na cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Dispenso a descrição da solenidade porque nada de extraordinário aconteceu.
Cinco anos e dois filhos depois, podia-se suspeitar da afirmação de que Leandro e Letícia tinham sido feitos um para o outro. Ambos tinham dúvidas, mas foi Letícia quem tomou a decisão de acabar com elas: numa tarde de domingo de abril de 2003, comunicou a Leandro que queria a separação. Iria se separar dele e da história dos dois. Paris era passado. Filhos, uma questão a ser administrada. Pont des Arts e cadeado, uma farsa. O passeio pelo Sena e uma cesta cheia de questionamentos foram deixados de lado. Na cabeça, apenas assertivas e certezas. Nada de se falar de sonhos repartidos, de sonhos não realizados e perdidos definitivamente. Para Leandro, todo o futuro acabava ali. Aliás, para ele, futuro passava a ser algo impensável, fora do grupo familiar. Ficar longe dos guris. Ficar longe da poltrona onde assistia os jogos do Grêmio, ficar longe do bar dos drinques, do freezer da cerveja onde passou memoráveis momentos com amigos a justificar existências, quaisquer que fossem, quer de abraços comovidos, quer de disputas ideológicas de política, futebol ou religião. Teria de abandonar o castelo, que é o lar-refúgio de um guerreiro, seu mais definitivo abrigo, muito antes que o colo da primeira amada. Toda essa perda derretia Leandro, como o relógio de Dali, pelas calçadas do pátio da casa.
Em momento algum, no entanto, questionou a decisão de Letícia.
Foram tempos duros. Não tinha sido treinado para cuidar de filhos. Ficar com eles era uma angústia. E se adoecessem, o que faria? Ao mesmo tempo, era tudo o que queria. Filhos perto, dividindo a vida, ensinando-os a serem homens, passando a eles o que tinha recebido do pai. Imaginava que seria mais fácil tudo isso se não tivesse que assumir, nestes dias, também, o papel de mãe. Mas aceitou o que não estava disponível a uma escolha pessoal.
Aos poucos resgatou amigos, o suporte das separações inesperadas.
A distância de Letícia ia fazendo com que Leandro descobrisse a possibilidade de viver só. Não havia par perfeito. Não havia "um feito para o outro". Levou tempo para perceber que era um ser autônomo, que respirava sozinho, que podia dormir sozinho, que podia cuidar dos filhos sozinho. Mas chegou lá.
A cada semana uma nova descoberta. O jeito delicado, a poesia posta nos olhos, a disponibilidade para ouvir, a independência financeira e afetiva, faziam-no muito interessante, como homem, naquela época. Teve alguns casos. Uns mais sérios, outros passageiros.
Era primavera quando conheceu Rejane. Quase a amou.
Digo quase, porque havia Letícia.
Letícia trazia guardada com ela a chave da felicidade de Leandro. E Letícia não estava feliz. E Letícia não queria que Leandro fosse feliz. E Leandro acreditava que a chave da felicidade dele estava com Letícia.
Assim foi que Leandro perdeu Rejane.
Era outono, quando Leandro conheceu Susana. E Leandro quase amou Susana. Mas não tinha a chave para amar Susana. E Leandro perdeu Susana.
Em dezembro de 2.006, Leandro viajou a Paris. Foi até a Pont des Arts e conseguiu encontrar o cadeado gravado com o nome dele e de Letícia. Precisou voltar à Rue Rivoli, comprar um alicate potente, cortar o elo do cadeado e jogá-lo no Sena.
Em julho de 2.007, Leandro conheceu Fabíola. Está com ela até hoje.