Macár e o princípio lúgubre de Deron

Um dia comum, igual aos outros, não era mais quente ou mais frio, mais escuro ou mais claro, num dia igual, diante a perfeição daquele lugar Macár se encontrou em solidão, podia reconhecer os timbres que cada folha produzia ao reagir aos esporádicos e mecânicos sopros do vento, podia reconhecer todas as cores que formavam o arrebol daquele céu.

Desejou um filho, um fruto de si, um reflexo que lhe fosse mais fiel que o espelho, assim seria o seu coração para o filho, desejou.

Convertido todo o amor ao filho, que ainda não existia, em lágrimas, Macár fez uma poça se formar ao seu lado no chão frio em que dormiu, aquecida a poça pelo sol evaporou e após encontrar mais vapores no céu se fez numa névoa. Macár nada podia ver, pois a névoa havia descido do céu. Não se podia enxergar um palmo além do próprio nariz.

Assim foi por quarenta dias até que, entediado com a imensidão do nada que se apresentava aos olhos, se levantou e começou a andar, primeiro lentamente, em seguida com desespero, sentia um misto de sensações controversas no seu caminhar. E num desses piques guiados pela insânia topou com um cadáver, o que lhe causou uma queda. No chão, o infame e cego Macár, engatinhou até o corpo desconhecido, logo no primeiro contato, tocou o braço e no mesmo instante teve certeza que não havia vida. Tateou com paciência o rosto, e sentiu uma mulher bela, cada detalhe daquele corpo analisado com curiosidade por Macár, detalhes que fugiriam aos que vêm.

Se apaixonou, e num enlace fúnebre, porém cálido, possuiu aquele corpo, um homem que não conhecera mulher, se esbaldava em luxúria jamais imaginada, amou com tanto amor, como se pudesse com amor trazer a vida um filho, e pôde, nasceu em sete dias o rebento que tanto ansiava o solitário Macár, da morte veio à vida.

Maravilhado com tamanho milagre, que paradoxalmente cabia em seus braços, Macár chamou o filho de Deron. Veio o primeiro choro e levou embora toda a névoa que tomava aquele lugar, Macár conhecia agora o próprio filho, fruto do seu ser.

Alimentou o filho, ciente de que a mãe não tinha vida para tal, fez o extremo para que Deron crescesse forte, e assim foi, de todas as frutas e de todas as carnes a criança comeu, tanto que logo deixou de ser criança, em sete anos alcançara o pai em estatura. E sua fome crescia como crescia seu corpo.

Macár se deleitava em seu filho, tinha prazer ao ver sua imagem refletida mais fiel que por espelho, por isso infamemente dava de tudo que se pudesse comer para o filho, que cada vez mais insaciável lhe pedia mais, foi quando num acesso pouco sóbrio de alteridade subiu à mesa, e deitado numa bandeja de prata, que fosca não reluzia, perfurou o peito, se oferecendo em ceia para Deron, num rito antropofágico afim de transferir todas as suas virtudes ao amado infanto como nutrientes.

Por não entender toda a vivacidade do ato Deron julgou vago e não tomou para si a carne que lhe estava posta.

Num segundo momento tomado por uma fome inescrupulosa e visceral fez a ceia, comeu a carne e bebeu o sangue, até que farto e embriagado sentiu repulsa ao perceber o cheiro da primavera que o vento trazia.