Meu Meteoro

Uma tarde quente estendia a rua de terra até o mar. A brisa soprava o cheiro das ondas e salitre, criando as coisas num dia ensolarado barrufando toda a localidade com o bocejo morno de Deus. Grão a grão ia se deslocando as brancas dunas, a areia fina assobiava sob os pés que pulava nas poças de chuva da Aminadab Valente. Horácio, ainda um menino de calça curta, ficava sentado imóvel, o corpo em estado de paralelepípedo, solitário, com a mente solta em aventuras da Terra do Nunca, bem ali na soleira do portão da casa de praia de sua avó Abigail.

Ele se impressionava com o Alto, comunidade humilde em suas dimensões humanas e materiais; imaginava às vezes penetrando àquelas ruelas medievais, sustentando-se em pinguelas instáveis, passagens apertadas completadas por degraus de troncos e barracos construídos de galhos secos e barro, frágeis construções de pau-a-pique cobertas com palha, poucas com telhas ou com serviço público de energia e nenhum saneamento básico. Observava de longe a passagem das lavadeiras, o prêmio da maré carregado em puçás pelos pescadores, e sabia com uma visão de menino estudioso dos girinos escondidos na água escura, de aroma forte, salobra, que em dada estação cobria-se de jibóias bem verdes, de brilho oleoso, matéria que preenchia mais da metade daquela cuia d’água negra, ricamente e profundamente misteriosa.

A sua curiosidade era atiçada pelas formas adotadas na feitura dos fifós, nas tintas de cores ideais e ranhuras quase bordadas no porrão fundo de bojo largo, o odor levantado no vapor do ferro de passar a carvão esticando as linhas das calças dos militares e as camisas de punhos fechados que não podiam usar abotoaduras douradas. Via anjos também, nos lençóis de algodão brancos de cegar ao sol como espelhos estalando de secos, tão alvos bandeando nos varais de arame. Como de costume gostava de ficar observando a vida de lá, da gente do Alto, que apanhava água em latas carregadas sobre rodilhas de cabeça, geralmente as mulheres, admirando tudo como a um quadro naturalmente pintado que despertava toda sua arte e ciência precoces. Um conjunto de casebres e palafitas levantados sobre um elevado morro próximo da Grande Lagoa despertava nele uma rara atitude para sua idade, se comparada sua motivação de conhecer as coisas de outra realidade, a do Alto, com a energia inesgotável de seus irmãos e colegas de brincadeiras, que gritavam convidando para ele completar o grupo da amarelinha, esconde-esconde, garrafão, jogos de ximbra.

De repente, como se apontado por alguém o chamando ao longe, ele suspendeu seu olhar para o céu, e viu claramente o rápido compasso de um meteoro, uma surpresa, não uma coisa que assustasse, apenas um diamante riscando o céu duro azulado sem nuvens sobre sua cabeça, que correu firme desenhando um rastro de fogo encantado, levando sua cauda esticada e continuando num trajeto infinito até se perder de vista entrando no horizonte largo do Alto, tão longe quanto as pernas da imaginação de Horácio queria ir, mas ainda não alcançava. Uma imagem simples, uma chama de rocha viva se movimentando vigorosa havia marcado seu mundo.

Para o menino Horácio, aquilo representou um acontecimento de significado especial, um breve sinal, mas um vínculo, algo estabelecido entre ele, o meteoro, e aquelas pessoas do Alto. Desse dia em diante, todas as sensações vindas desse entardecer jamais se desmanchariam. Ainda surgem radioativas revitalizando suas memórias.