Tenho um desprezo por jogo. Seja lá do que for. Dito dessa forma, fica a impressão de que estão incluídas as modalidades esportivas, o que não é verdade. Embora algumas delas há muito tenham relegado o espírito de competição, o amor à camisa, o jogar por jogar, haja vista o noticiário da mídia que nos dá notícias sobre patrocinadores escalando equipe, transações/vendas inexplicáveis de atletas, em valores ininteligiveis para nós, pobres mortais, práticas espúrias de subir ao pódio, deixo claro que me refiro ao chamado jogo de azar, o que depende da sorte (é da sorte, mesmo?).

Não deixo de admirar os eternos sonhadores que se veem como os próximos contemplados pela mega, lotomania, loto e assemelhados. Já que o resultado é puramente aleatório, é razoável que o sonho não dê espaço à realidade. Sonhar é sonhar, e sonhamos independentemente de nossa vontade. Se pararmos para entender, e dando como exemplo apenas a mega-sena, pés no chão, veremos como é difícil ver o sonho materializado. Para uma aposta de seis dezenas, a probabilidade de acerto é de 1 em 50.062.860 de tentativas, alguma coisa como quase 50 vezes a população de São Luís – que insiste em não chegar a 1.000.000 de habitantes (?) –, inteira, jogando, incluídos de mamando a caducando. As outra loterias, cada uma com seus atrativos e suas probabilidades igualmente espantosas, inebriam o povo e enriquecem alguns.

Também não sou adepto da teoria da conspiração. Os insatisfeitos, de interesses contrariados, que não acertam as seis dezenas da mega, só otimistas quanto ao dia em que ficarão ricos, quando contemplados, são os mesmos que põem em dúvida resultados no futebol, que um deputado sortudo não ganhou mais de duzentas vezes na loto, que o homem não foi à Lua, a morte de uma pessoa importante não foi mero acidente, que números de loterias podem ser manipulados, buracos nas estradas são miragens de motoristas cansados e insones. Que é isso? Duvidar por quê? Descrença?

Para conforto dos que me leem, um dia cedi ao jogo. Tinha dez anos, por aí. Em minha cidade, São Bento, no Maranhão, no início da noite passo por um bar onde havia uma roleta, daquelas que giram na vertical, um metro de diâmetro, que fazia a alegria de uns – e a tristeza de muitos. Espiei da janela e vi a festa. Mil réis no cavalo, cinquenta centavos no coelho, e a gaveta enchendo. Observei os giros da roleta. A considerar que o movimento do braço do banqueiro, cotovelo apoiado em uma mesa, tinha o mesmo peso em todas as jogadas – note-se a observação que não resiste a um exame sério! –, parecendo-me um movimento uniforme, tanto que o número seguinte era três a quatro vezes menor que o anterior. Por exemplo: macaco, 17; o seguinte seria galo ou gato, 13 e 14. Jogada a seguir: cobra ou coelho, 9 e 10.

Num certo momento, encostou-se à roleta que rodou um pouco, e o resultado seguinte não obedeceu àquele critério anterior. Achei oportuno o momento de participar, até para que eu me convencesse ou não de minha teoria. Aguardei umas duas jogadas, vi os resultados, atentei para o último, avestruz ou águia e, como na história do papagaio, era a hora de pedir carta pra três. Entre tímido e curioso, falei: "Mil réis no veado, 24!" À minha volta, todos riram, mas eu "casei" logo, botei o dinheiro no pano. Rodou a roleta e ganhei vinte mil réis (Cr$20,00). Alegre, cheguei em casa contando a novidade. Minha mãe, poupou-me da surra, mas me deu a maior esfrega, dizendo que jogo era coisa do "bicho", que nunca mais queria saber dessas artes.Não dava pra devolver o dinheiro, afinal o caldo estava derramado.

Valeu, aquilo bateu forte em mim, doeu mais do que os bolos que levei de meu pai, aos cinco anos – dados com uma régua de corte, era alfaiate, imaginem o peso da régua –, ao saber que experimentei um cigarro. Cada um a seu modo, ambos me marcaram. Estou por ver tratamentos com eficácia maior na cura desses males. Não havia ainda Estatuto da Criança e do Adolescente, tampouco FUNAC. Era um tempo em que a tarefa de bater nos filhos ainda era confiada aos pais, não à Polícia. Chegava a ser rígida a disciplina, tanto que, outra vez, encontrei Cr$11,00 na rua, e minha mãe, de novo ela, queria que eu fosse deixar o dinheiro no lugar em que o encontrei. - Olha, menino não acha nada! - Hoje acha e quando não acha inventa. Só que, no último incidente, vi nascer em mim o advogado: - Mãe, devolver pra outro achar?. - E fui convincente.
Antonio Carlos Pinheiro
Enviado por Antonio Carlos Pinheiro em 23/12/2012
Código do texto: T4050501
Classificação de conteúdo: seguro