Da Morte de Joãozinho Bem Bem

Esse um, moço, era boiadeiro dos sertões baianos. Homem de muitos crimes.Não enjeitava encrencas e quando não procuravam, ele mesmo provocava. De ano em ano vinha ao norte de Minas Gerais comprar gado nelore. Descia sempre no vapor de Pirapora até Januária, ali, vizitava aquelas casas de mulheres de vida fácil, trivial de todo boiadeiro naquele tempo. Tinha uma velha bruaca de couro, vinha sempre cheia de dinheiro. Comprava uma mula arreada e saia pelo sertão mineiro comprando gado pé-duro. Homem valente, de muitos crimes, aquele Jãozinho Bem Bem. Sei como ele morreu. Diz que tava voltando pra Bahia, tocando uma boiada, tinha saído de Januária. Em certa altura ia um caboclo ribeirinho muntado num jumentinho, perninhas cruzadas sobre a bestinha, picando um fumo de rolo com uma faquinha, dessas mesmas própria para esse serviço de picar fumo. Ia despreocupado, calça e camisa de algodão grosso, descalço, chapéuzinho de palha, queimadinho de sol. Bem moço, quando o gado viu aquela figura bisonha, foi um "valha-me-Deus", estourou. Enquanto a pionada suvertia na caatinga pra juntar a boiada, Joãozinho Bem Bem foi tirar acerto com o capiau. Chegou arreliado, foi insultando o matuto e antes que ele se desculpasse, chegou-lhe o rabo-de-tatu no lombo. Bateu destrançado, como se batia em moleque malino, naquele tempo. Insultou o matuto até a quarta geração, pra trás e pra frente. O homenzinho ficou mesmo no sal. Pois bem, o gado foi arreunido, algum se perdeu, sempre se perde alguma reis num estouro, é comum demais. Algumas reses morrem, caem em pirambeias, quebram o pescoço, negócio feio mesmo. Mas, seu Joãozinho Bem Bem seguiu com sua boiada pra Bahia, o homenzinho, esse ficou mal, de dar dó. Seguiu seu rumo, se curou da sova, pensou na vida e tomou sua decisão. Depois daquela passagem, largou o ranchinho na curva do São Francisco e mudou-se para Januária. Diz que todo dia ia para o cais do porto, se agachava na beira do rio, junto a uma dessas pedras de amolar e amolava calmamente um punhal língua-de-tatu,esse mesmo que tinha dois cortes, com uma pontinha fina feito agulha e venenoso feito picada de cascavel. Os dias passando, as águas correndo e o caboclinho nesse bobo ofício. Caiu as chuvas no tempo das águas, plantou-se e colheu-se o milho, o feijão e o arroz nas vazantes e, então, chegou junho, começo da seca no sertão mineiro. Uma bela manhã, agitou-se o porto de Januária, a notícia corria que Joãozinho Bem Bem tava chegando no vapor para comprar gado. O caboclinho ainda amolou, mais uma vez, o seu punhal. Quando o vapor chegou, ele se misturou com o povaréu e quando Joãozinho Bem Bem desceu com toda a sua brabeza e a bruaca cheia de dinheiro, o caboclo se achegou de mansinho, chamou o homem calmamente e foi perguntando: __ Sô joãozim Bem Bem, o sinhô si alembra di mim? O baiano respondeu orgulhoso: __Não me alembro não sinhô! O caboclinho respondeu já empurrando o punhal na barriga do valentão:__Eu sou aquele hômi qui o sinhô bateu na istrada, viu? Diz que o Joãozinho Bem Bem ainda tentou arrancar a garrucha de estima, que sempre trazia na cintura, mas as forças já estavam minguando com a furada do matuto. Foi rebuliço em januária e a notícia correu por todo sertão norte mineiro, na Bahia e até nos vaus do vale do Urucuia: Um, que ninguém conhecia, um pescador de traíra, matou o grande Joãozinho Bem Bem, homem afamado por sua valentia e dinheiro. Desse caboclo... nem o nome ninguém sabe mais...

Geraldo Rodrix
Enviado por Geraldo Rodrix em 06/12/2012
Reeditado em 09/08/2023
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