Manual Prático Para Caçar Jia

A jia é o nome comum dado aos anfíbios anuros da família dos leptodactilídeos, especialmente os do gênero Leptodactylus Labyrinthus, encontrado nas Américas, geralmente em ambientes alagados. Em São Paulo, onde, segundo Monteiro Lobato, foram quase extintas pelos imigrantes italianos que as caçavam pelos muitos charcos da cidade, é chamada de rã-pimenta, por causa de um ardor que ela solta em suas mucosas, no Rio de Janeiro é chamada de rã-paulistinha e em Minas Gerais, mais pra cima, é chamada de rã-manteiga. Pra nós urucuianos e chapadeiros do norte-noroeste mineiro é a Jia. Essa rã comestível, de carne branca e cheia de proteínas está em extinção em nosso país devido ao avanço da fronteira agrícola e da poluição dos mananciais. Por demorar muito a chegar ao ponto de abate e por reproduzir menos que a rã touro americana, ela é desprezada para a criação comercial, apesar ser comprovado à melhor qualidade de sua carne no sabor e na alta concentração de proteínas.

Pois bem, em meus verdes anos, fui o melhor caçador de jia de Bonfinópolis de Minas, não porque fosse, no início, um apreciador dessa iguaria. Lembro-me que a primeira vez que fui caçá-las eu fui à companhia de um amigo, que as caçava para um tio que tinha aprendido a comê-las quando morou no Paraná, gostei tanto que me especializei e até desenvolvi técnicas para caçá-las. No início, perdíamos muitas porque elas são muito velhacas e pulam longe que só vendo. Depois, quando meu amigo se aborreceu com a caça, eu negociei com o velho Antônio e passei a monopolizar a captura das jias. Desenvolvi minha própria técnica. Comprei uma lanterna maior, e comecei a caçá-las de estilingue, sem falsa modéstia, eu era um colosso. Chegava à beira dos charcos à boquinha da noite e ficava paradão, na boba espera, de repente, ouvia: --- PUUUU... PUUUU. Era ela, localizava-a por cima de uma touceira de capim, meu ajudante metia-lhe o foco da lanterna nos olhinhos e eu, zás, dava-lhe uma bela pedrada. Era inhambu na capanga! No começo só levava duas ou três para o velho Antônio, depois, caí na tentação de provar da carne da danadinha, preciso dizer que foi depois de muita insistência do ‘seu’ Antônio. Gostei tanto que tive de aumentar o número de vítimas em minhas caçadas. Minha mãe ficava horrorizada e só podia levá-las para casa depois de tratá-las. Quando cortava a cabecinha e arrancava o couro, a carne ainda tremia, minha mãe viu a primeira vez e nunca quis experimentar. Melhor pra mim, porque sobrava mais. Meu pai não dava bola pra essas coisas de menino, mas também não provava. Comprei muitas revistas de Conan, o bárbaro, com dinheiro de jia. Quando me formei, deixamos a chapada e voltamos para o vale do Urucuia, agora só caçava nos finais de semana, nas veredas. As jias de veredas são maiores, mais verdes e tem o peito de um vermelho tão lindo que chega a me encantar, literalmente. Hoje, casado, pai de família, quase não tenho tempo para caçá-las, até porque, as jias estão cada vez mais raras, não se ouve mais coaxando na boquinha da noite, raramente no tempo das águas. Perto de minha casa tem um açude, um tempo atrás, apareceu uma coaxando, eu ouvi e tratei de comprar um estilingue, designei um moleque da vizinhança para me ajudar e parti para caçá-la. Quando cheguei ao açude eu a encontrei numa touceira de capim, mas, quando o moleque focou a luz nos olhinhos da danadinha, eu fiz a pontaria e quando botei reparo no tamanho e na beleza dela, não tive coragem de atirar. O moleque não entendeu nada, pedi que desligasse a lanterna e voltamos para casa de mãos vazias. Alguma coisa queimava dentro de mim.

Geraldo Rodrix
Enviado por Geraldo Rodrix em 23/11/2012
Reeditado em 07/01/2013
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