PRESENTE
Andando, distraidamente atento, como sempre faz, encontrou uma única fruta numa frondosa árvore: viu tratar-se de alguma coisa muito especial, pois a cor, a textura, o cheiro eram incomuns, raros.
Colheu-a para si, tomou posse. Era sua, presente. Provou-a, tirando diminuto pedaço. Encheu-se de sabor sua boca: como soube doce a fruta! Muito doce! Comia-a de olhos fechados como a aprimorar o paladar para melhor degustar a doçura.
Percebeu, sem compreender, no dia seguinte, após noite de sonhos tão doces quanto o sabor provado (seria influência de fruta?) que o naco arrancado no dia anterior e que com tanto prazer fora degustado havia reconstituído, preenchido com perfeição: a fruta novamente estava inteira, pura, intacta como se nunca houvesse sido mordida.
Perdeu, então, o medo. Sim, aquele medo de tirar pedaços maiores se mostrou injustificável: a fruta se reconstituíra em uma noite, uma única noite... Talvez efeito do sonho.
Passou a morder avidamente, saber o doce da fruta em grandes pedaços, tão grandes, quase, como seu desejo. Sorvia e deliciava-se com prazer e tremores pelo corpo. Frenesi e êxtase.
Nem percebera que tamanha fúria, desmesurado desejo, estava consumindo a fruta em velocidade tal que não era possível fazer a reposição. Não, nem os sonhos cheios de aventuras, de realizações e de emoções, nunca antes imaginadas, eram capazes de devolver ao presente, à fruta seu corpo original.
Não era mais factível recompor o que tinha sido tirado: continuava doce, cheirosa, macia, mas....minguava.
Estava de fato sumindo aos poucos, criando marcas e cicatrizes.
Tal fato, erro imperdoável, só foi percebido muito tarde, tarde demais para ser revertido. A possibilidade de degustar a doçura, sentir a textura sorver os odores se perdera. Praticamente não sobrara nada da fruta, ela não existia mais. Consumiu-se em dias o que foi feito pra dura eternamente...
Às vezes, fecha os olhos e vem à boca, aos dedos, ao nariz, à mente as sensações que tivera; vem ao cérebro as lembranças de bons momentos e de sonhos espetaculares. Tudo aquilo que teve... lágrimas brotam de seus olhos e riscam sua face....um frio corre pela sua espinha...uma mão enorme aperta seu coração.
Abre os olhos, desperta. Olha sua fruta, seu presente (o que sobrou dele). Então, súbito, se desespera: arremessa-o pela janela! E ele cai bruscamente no jardim, próximo a uma árvore. Fim. Separação.
Olha pela janela, vê a Lua e algumas nuvens de chuva, junto com algumas estrelas e uma brisa, vento suave, que vão todos beijar a fruta.
Será que ali, jogada, à luz do luar e das estrelas, molhada pela chuva depois de ter sido regada pelas lágrimas, ao sabor dos ventos a fruta não recupera seu vigor?
Ele sorri...