Vivi o sabor da vida

Dias difíceis! Aquele jovem rapaz buscava em seus sonhos a possibilidade de uma vida melhor. Tristemente chegava à conclusão de que pensar o tornava menos feliz. Existiam coisas que ele ainda não havia visto, feito ou sentido, palavras que ainda não haviam passado por sua boca e sentimentos que ainda não residiam em seu coração, mas que ele tentava desesperadamente escrever à mão no dicionário impresso de sua alma. Via o mundo, um número sem fim de pessoas, mas muito poucas pessoas faziam parte do seu mundo.

Uns dizem: palavras são tabus, verdadeiramente são parasitas que perfuram os cantos do coração e semeiam o pavor. Aquele jovem, sonhador, passara toda uma vida à fugir da solidão. Quanta tristeza! Melancolia. Quanta dor era viver em um castelo, seu castelo interior, onde poucos o visitavam, o qual poucos conheciam seus mistérios, seus problemas, suas dores.

Ele não conhecia o amor. Na verdade ele conhecia o amor. Não porque houvesse sido amado, mas porque fazia incansavelmente a experiência de amar. Ele aprendera amar, mas ainda era principiante na arte de ser amado.

Era dificil compreendê-lo. Sua face era quase sempre incapaz de traduzir o que o coração dizia, e quando conseguia, existia algo, havia algo, essa devia ser a única razão, porque ninguém via, menos ainda compreendiam. Morte! Era esse o nome de sua amiga. Ao menos ela parecia capaz de compreendê-lo. Vazia. Assim com ele se sentia. Dor. Ela não sentia, mas poderia se alimentar. Ela compartilharia seu vazio e ele suas dores. Havia uma confusão em seu interior. Era impossível que tantos sentimentos estranhos, tantos pensamentos e desejos não se misturassem. Era sufocante. Existia um limite. Ele não podia passar. Mas seu maior problema não era ter como amiga a morte. Antes o fosse.

Aquele jovem era normal. Amor. Quem nunca se apaixonou? É certo que poucos como ele. Pessoas vinham e deixavam apenas um vazio, como pássaros que voam, cantam e nunca mais são vistos. O cantar é único, apaixonante, e esse era o grande problema. Esse pássaro não se foi, e ele a sorrir ouvia todos os dias o cantar de suas belas palavras. Tocá-lo... Não era tão difícil como tocar um pássaro, a beleza era apreciável, doce, e o pior, marcante. Aquele jeito tímido e brincalhão, de sorrisos a torto e a direito, era um veneno. E talvez mais tarde ainda o houvesse de matar.

Não era fácil apaixonar-se por uma moça com quem estivera apenas uma vez, e a quem, antes disso, não desejava conhecer. Ela era tão solta, estava na cara que ela era... Isso o incomodava. Mas foi na Igreja, que lástima, onde se conheceram. Algo alí deixou uma marca profunda, talvez a percepção de que ela pudesse compreendê-lo ou fazê-lo feliz. Ou seria simplesmente pelo fato de ela já ser tão feliz. Aquela jovem o contagiou.

Conversavam. Se entendiam. E isso era tudo.

E ele nem podia chorar. As lágrimas só molhavam seu interior. Muitos dependiam dele, mas muito poucos se importavam com ele; seus esforços não se direcionavam a consolá-lo, e no desespero, tentava encontrar um refúgio para seu grito de dor, para seu sussurro de desespero. Quase sempre... Na verdade em todo momento ele era preciso para que a uns acudisse, a outros consolasse, e assim seu interior se acumulava e se debulhava ansioso, sedento por consolo, por amor, por um abraço. Como isso valia! Nunca um abraço teve tanto significado. Ao menos um que fosse que não buscasse consolo, mas que consolasse. Ajudar já se tornava obrigação, servir era cada dia mais penoso, e a ajuda a cada dia estava mais distante, embora ele nunca soubesse realmente onde ela estava. Era difícil. Não havia lugar, um sequer, onde pudesse simplesmente estar. Todo cantinho parecia ter que ser dividido com alguém, e nessa incessante companhia ele perdia as oportunidades de conhecer a si mesmo, sabendo mais dos outros do que de si. O canto que ele procurava não era o da solidão, era apenas um lugar onde ele pudesse ouvir o eco da própria voz, e não o pedido de vozes alheias. Ele já não ouvia nem mesmo suas almas eram tantos que o procuravam, que falavam, que pediam que sugavam sua felicidade, que ele só conseguia ouvir a si mesmo, ouvir o seu coração ou a sua alma quando elas já estavam à beira da morte. O ruído do mundo abafava o pedido de socorro do seu coração. E assim aquele jovem sofria. Sofria como quem sabe sofrer. Essa sempre fora sua maior habilidade. Sofria não apenas por si, mas insistia em sofrer pelos outros, mesmo quando não queria.

A felicidade se rebaixava a algo menor que uma estação. Durava tão pouco. E o silêncio na família. Tortura! Olhos que não se veem, corações que não se encontram, vozes que nunca são ouvidas. Conhecidos que se desconhecem.

Tentativas frustradas não permitiam que a alegria surgisse.

Ele sentia vontade. Na verdade ele não sentia nada. Ele sentia apenas a morte. Ele era uma confusão. Ele era um jovem. Seu maior problema era ter coração. Usá-lo. Ele insistia em fazer isso.

Coração é o veneno do mundo. Na verdade os homens aprenderam a usar tanto o veneno da falta de amor que agora já se torna difícil defender o coração. É tão pouco usado que quem o usa se vê em desvantagem. E o processo termina em dor. A dor torna cada dia mais curto. A dor torna cada dia mais longo. A expectativa de um outro dia possível se torna o desejo de cada novo dia. O futuro distante parece ser a única esperança. O limbo parece ser o único refúgio. Amar nunca foi tão difícil, tão passível de repreensão e negação.

Todo mundo some. A vida é uma constante ausência de pessoas, indo e vindo, nenhuma fazendo morada em nossos corações. A vida é bela, bela a ponto de chegar a ser triste. Quanta memória. Nada mais do que memórias.

Os encontros. Gostaria de ao menos ser o autor de um. Escrevê-lo como se escrevem histórias. Eternizá-lo como fazem os livros.

Cada palavra em casa, cada ausência de palavra era o reforço ao desejo de ir ao mundo. Aventurar-se? Não! Fugir. Correr onde homem algum seria capaz de encontrá-lo, onde voz nenhuma pudesse ser ouvida, onde o frio fosse companhia e o silêncio fosse o alívio. Diria a verdade. Gritaria. E o vento seria seu confessor. Criaria um novo mundo. Os oceanos nasceriam de suas lágrimas, a terra brotaria de seu coração duro e sem vida. Minha mãe xingou ali. Gostaria de morrer. Se ela soubesse como dói. "Ô família pra atanazar", foi o que ela disse. Que alguém me dê pernas para correr, forças pra chorar. A vida não existiria. Essa seria a prioridade. Sem vida, sem sofrimento.

Correr é tão bom. Seria eu mesmo as aves do céu, as feras dos campos, os peixes do mar. Assim poderia fugir, correr, voar, nadar, e me distanciar do mundo.

Nada pior que uma lágrima incapaz de lançar pra fora o que nos angustia por dentro. É tão bom ir a lugar nenhum, ter o pensamento em ninguém. Algo mata minha alma. Sinto que se em pouco tempo não morrer por fora morrerei por dentro. Tenho vontade de ir a lugar nenhum.

Como é possível que alguém deseje tanto a morte? Que a prefira à vida?

Como se nada pudesse ficar pior.

Os olhos já não veem. Vislumbram. Sonham. Fantasiam. Mas é tudo real. A proximidade da morte chega a dar uma falsa sensação de medo.

E ao olhar a lista de amigos, não vi um sequer, não pude reconhecer um a quem eu pudesse recorrer, que pudesse me ouvir, me amparar, me acolher, enxugar meu pranto, sorrir pra mim, me fortalecer, me afastar dessa escuridão que há vinte e cinco dias me atormenta, me mata pouco a pouco, infecta cada olhar, cada pensamento. E tudo que me restou foi a morte. Foi o triste fim que na verdade seria minha maior alegria.

Venha cara amiga, traga teu silêncio e alimenta-te de minha dor. Faz-se companhia nesta noite, para que eu veja um horizonte diferente, para que eu sinta uma dor diferente, mesmo que seja dor, mas que seja diferente essa que sinto age muito pior que a morte. Pois que a morte me seria consolo. Consolai-me oh morte. E eu te consolarei com minha vida.

Sinto o próprio gosto do sangue na minha boca. Meu interior já não existe. Ao sentir tanta dor, faleceu. Quem dera houvesse falecido. Crime Hediondo. Assassinato. Mataram minha vida! Levaram meus sentimentos! Sugaram minha felicidade! E eu com tantos amigos. Não houve um sequer que me visse que enxergasse e acudisse. Morte. Morreram todos. E Eu morri junto. Melhor, morri antes. Mas enfim, morro mais a cada dia.

Yenis Ribeiro
Enviado por Yenis Ribeiro em 10/09/2012
Código do texto: T3875380
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