Manicômio

Eu nunca fui de ficar espiando por janelas nem perseguir alguém pelas ruelas da minha cidade. Quando eu queria alguma coisa eu ia atrás, e ninguém podia me impedir. Não é só porque eu sou uma sombra assustadora da morte nem porque eu tenho dentes grandes e afiados. É só porque as pessoas evitam me olhar, porque elas tem medo de mim. Do que eu possa fazer com seus pescoços bem cuidados e limpinhos.

Eu não sou uma contradição nem uma lenda. Sou de carne, osso e sangue. Muito sangue. Eu me alimento de sangue e durmo pensando em tomar uma dose no dia seguinte. Só pra esclarecer, eu não durmo num caixão e como alho. E rezo perante uma cruz.

Mas um dia eu resolvi olhar janela abaixo do edifício que estava hospedado para algumas palestras. Palestras estas, que só o imaginável podia assistir. Tem que ter pulso firme pra aguentar.

E lá embaixo passava ela, de vestido vermelho, a cor do sangue. Mas devo confessar que prefiro o sangue mais escuro, é bem mais temperado. Não me levem a mal, eu não sou um vampiro. Vampiros só existem na ficção e na sua cabeça animal. Acalmem-se.

Eu espiei, sim, como nunca havia feito antes. Conforme ela se afastava eu me apoiava no parapeito da janela pra poder ver melhor aquelas ancas rebolantes e redondas. Eu não precisaria toca-las pra saber que eram duras. Nem queria também.

Vamos deixar claro aqui que eu não me apaixonei por ela nem tive vontade de segui-la. Eu quis me matar por ter espiado. E a minha imaginação fluiu naquele dia. O computador estava ligado, mas minha mente estava preta. O que poderia ser inspiração num lugar onde troca de tiros fazia parte da rotina? Uma bunda perfeita e longas madeixas pretas e brilhantes? Não.

O sangue dela devia ser saboroso. Passei a língua pelos beiços justamente quando o telefone tocou.

- Não sei. – atendi já sabendo do que se tratava.

- Eu te vi no parapeito da janela. Por que?

- Já disse que não sei.

A voz do outro lado que era da minha sombra se aquietou e se perguntou porque eu havia feito aquilo. Tinha ido contra o acordo firmado anos atrás. Ou meses. Devo dizer que minha memória também é completamente fraca. Mas não sou velho.

E nem durmo num caixão.

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 18/08/2012
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