ParaToda a Eternidade

Luisa estava radiante com seu vestido branco. Olhava no espelho o seu reflexo e os de suas amigas lhe dando os últimos retoques com cara de boba. Boba feliz, diria, caso uma delas falasse algo do tipo. Feliz por estar tão perto da tão sonhada felicidade infinita.

Olavo, ao lado do juiz, esperava ansiosamente, sua noiva. Olhava para o relógio e contava as vezes que o ponteiro de segundos se movia. Olhava para as pessoas, sentadas nas cadeiras com capa branca e detalhes floridos, o tapete vermelho, separando as fileiras ao meio. O jardim, a primavera, tudo conspirava a seu favor. Tudo dizia que aquele era pra ser um dia memorável.

- Blá blá blá. Pura cafonice. Se é o que você realmente quer e embora eu ache burrice, tudo bem... mas eu sou o padrinho, e você vai ter de aceitar isso!

- E quem mais seria? – Olavo abraçou o amigo e tomou um gole de cerveja.

- Acho muito bom.

Mateus era engraçado, pensava Olavo, agora. Realmente era. Era um inconstante. Como os dois, sendo tão diferentes, conseguiam ser tão amigos? Vai ver, a grande verdade da vida é que os opostos se atraem. NÃO. Não era. Como seria? E Luisa? Sua versão de si usando saia? Como ele poderia repelir alguém tão sublimemente igual a ele? Não, os opostos não se atraem e os iguais não se repelem. Ao conhecer Luisa, viu no fundo dos seus olhos cor de mel que eram neles que se perderia eternamente num labirinto de emoções. Quando ela abriu a boca e pôs à mostra o seu discreto e, ainda assim, radiante sorriso, ele soube que era aquele sorriso que o guiaria rumo à felicidade. Cafona, não? Vai ver o amor é cafona, mesmo.

Luisa estava vestindo seus jeans habituais, sua blusa preta por baixo da blusa cinza que tanto gostava. Usava seu rabo de cavalo desleixadamente preso. Seu cabelo liso lhe permitia o descuido. Tomava um suco de laranja enquanto Bianca, Alice e Mariana se esbaldavam de drinks e chopps ao seu lado. Tinha acabado de sair da faculdade de Arte e suas amigas a arrastaram para aquele barzinho.

- Cara, olha que gato – disse Bianca, com olhar de quase sedução.

- Lá vem você, Bianca. Hoje é a noite das meninas, ok? Pode parar de pensar em.. Ok, realmente ele é MUITO gato! – Mariana riu e bateu na mão da amiga.

- Eu vou lá falar com ele? – Luisa sabia que não importava o que falasse em reprovação, Bianca daria uma desculpa, afinal, o que ela queria fazer era mostrar uma falsa insegurança como sempre costumava fazer.

- SIIIIIMM! – disseram Alice e Mariana, brindando e rindo.

- Vocês não são normais, sabia? – Luisa também riu.

Bianca foi em direção a ele e ao invés de parar e conversar, só o olhou intensamente e seguiu rumo ao banheiro.

Mateus entendeu o que ela queria. Logo chamou Olavo para irem para perto das amigas da garota que “deu mole” pra ele.

- Você está brincando, não é? Só pode estar. A garota saiu do canto dela pra vir aqui te atrair. Ela não vale a pena.

- Olavo, meu caro amigo, não preciso de garotas com grandes valores para me fazer feliz por meia dúzia de noites. Preciso de garotas com outras coisas grandes, aprenda.

Olavo acabou indo. Ficaram numa mesa ao lado delas, mas mesmo assim, se recusava a olhar pras amigas da tal garota.

Bianca voltou do banheiro e viu o carinha na mesa bem ao lado da sua. Sorriu sugestivamente e sentou. Mateus chegou com ela e perguntou se a conhecia. Típica cantada do cara de pau. Chegar arranjando uma desculpa boba que sabemos que não é verdade. O fato é que Mateus não precisava de cantada. Antes de abrirem a boca, Bianca já o queria. Ela riu, disse que achava que não, mas que não era tarde, afinal. Ele perguntou se ele e seu amigo poderiam sentar com elas e todas concordaram.

Luisa estava anotando um recadinho na própria mão. Um lembrete. Tinha esse costume. “Morro dos Ventos Uivantes, ler.” Levantou os olhos e eles encontraram os encantadores olhos verdes do cara que estava exatamente a sua frente. Mesmo atrás daqueles óculos, ela conseguiu ver o brilho intenso com que brilhavam. Soltaram um sorriso bobo, ela abaixou os olhos, envergonhada, ele ajustou os óculos no nariz e voltaram a se olhar com menos vergonha um para o outro. Passaram a noite toda assim e as meninas notaram. Mas mesmo notando e conhecendo o jeito de Luisa, estavam mais interessadas no casinho de Bianca, que sabiam que ia dar em alguma coisa.

Já eram quase meia noite e ainda era quinta-feira, Luisa olhou para o relógio e logo pegou a bolsa, espantando Olavo, que esperava ficar naquela conversa silenciosa com ela a noite inteira.

- Onde a senhorita pensa que vai? – perguntou Alice.

- Preciso ir pra casa, Li. Tenho mil deveres pra fazer. Amanhã tem aula, sabia? – olhou para as amigas com olhar de reprovação – Ahn, obrigada pela noite, está bem? Foi bem... Divertido. Bom fim de noite pra vocês.

- Você vai pra casa sozinha? – Perguntou Olavo. Finalmente Luisa ouviu sua voz.

- Sim, minha casa é aqui perto, sem perigo.

- Hmmmmm, eu... eu posso te.. meio que.. acompanhar?

Ele nunca soube exatamente como e onde arranjou toda aquela coragem. Quer dizer... Eles nem se conheciam.

- Não precisa se incomodar, eu estou...

- Eu insisto, por favor, vamos.

Mateus olhou assustado, se sentindo um professor. Seu amigo finalmente havia aprendido alguma coisa com ele afinal. Ia se dar bem naquela noite.

Foram para o carro de Olavo que estava estacionado próximo ao bar. Até entrarem, não disseram nada. Sentaram-se, colocaram os cintos, abriram a boca e começaram a falar juntos. Se calaram. Luisa o mandou prosseguir e ele insistiu que ela continuasse. Ela perguntou o seu nome e ele respondeu. Disse que não era necessário e que não queria dar trabalho a ele. Ele disse que não era trabalho nenhum, que no momento em que a viu, achou que deveria protegê-la do mundo.Ela o achou intenso demais, mas ficou feliz que alguém sentisse isso por ela. Eles foram conversando sobre o que gostavam durante o trajeto e descobriram que tinha tanto em comum.

Como Luisa disse, sua casa era bem perto. A conversa não tinha terminado quando chegaram. Eles não queriam terminá-la. Ela perguntou se era costume dele fazer isso.

- Isso o quê?

- Pedir pra acompanhar qualquer estranha que você encontra no bar.

- Como você pode se chamar de qualquer estranha? Sua personalidade e tão notável, tão cativante. Gostei de você sem nem ao menos ouvir sua voz. – Ele ia dizer amor. Sim amor, era a palavra certa. Mas ficou com medo, com vergonha.

Ela ajeitou o cabelo que havia caído no rosto atrás da orelha. Ele segurou sua mão. Ela se assustou. Ele viu que ela se assustou e pediu que se acalmasse. Colocou a mão dela em seu peito e ela sentiu algo que nunca sentiu antes. O coração dele batia tão forte, tão forte. Ela soube, naquela hora que ele a amava.

E soube também que não sabia o que sentia por ele, mas que nunca havia sentido isso por ninguém antes. Era amor também.

Ele pediu o telefone dela e trocaram os e-mails. Ao anotar o telefone dele em sua mão, Olavo viu a anotação que Luisa fez anteriormente e disse que era um ótimo livro. Começaram a conversar sobre aquele clássico e ficaram ali, a noite inteira, dentro do carro, olhando um pro outro com cara de bobo. Só conversando.

Ele ligou pra ela no dia seguinte, e no outro e assim foi durante meses, quase um ano. Ele ia buscá-la na faculdade quase todos os dias e contavam tudo um para o outro. Iam ao cinema, sorveteria, pizzaria, restaurante ou, geralmente aos domingos, ficavam um na casa do outro o dia inteiro vendo filmes, comendo brigadeiro, pipoca. Foi num domingo, num domingo perto do natal, enquanto ela colocava chocolate na panela, ele sentou no mármore de pia e olhou pra ela, pra dedicação dela, pra beleza que ela colocava nas pequenas coisas, nos atos mais simples.

- Luisa – hesitou.

- Sim? – abriu um sorriso, ele era o único amigo que não a chamava de Lu.

- Você sabe o que eu sinto por você, não é? – olhou pra ela de relance e voltou a cabeça para a janela. Luisa ficou surpresa. Como assim o que ele sentia?

- Eu... Eu acho que eu não sei direito, Olavo.

- Eu amo você, Luisa. Amo desde o dia que te conheci. Eu quero te falar isso desde aquele dia, eu sei que você já sacou que eu sinto algo muito forte com você e eu te agradeço por não ter desistido de mim, nem se afastado... Mas não dá mais pra ficar assim, Luisa. É difícil te ter tão perto e não te ter pra mim, entende?

- Olavo, eu.. confesso que eu não estou surpresa. Na verdade eu estou feliz demais. Eu confesso que no começo eu achei que estávamos indo longe demais, mas chegou num momento que eu pensei que você tivesse desistido de mim e eu preferi te ter só como amigo do que não te ter de jeito nenhum.

Olavo desceu pro chão e foi na direção dela. A pegou pela cintura, a abraçou e sussurrou em seu ouvido “eu te amo agora e pra sempre” e ela sorriu e o beijou.

Três anos se passaram. Olavo e Luisa estavam cada vez mais apaixonados (se é que isso era possível), Bianca e Mateus haviam ficado algumas vezes e depois de ter levado um pena bunda do garoto, Bianca parou de sair com a turma (que agora era uma só, pela ligação entre Luisa e Olavo) e Mateus não pareceu ligar.

Mas hoje, hoje nada importava, hoje era o dia que selava de uma vez por todas o “felizes para sempre”. Mas não era o fim do conto e fadas de Olavo e Luisa e sim o começo do que vem depois e do que nunca sabemos, só temos a certeza de que o futuro é perfeito.

Olavo olhou uma última vez para o relógio em seu pulso, olhou para sua mãe com um olhar desesperado. Onde estava Luisa? Sua mãe sussurrou algo como “noiva é assim mesmo” e ele bufou, inseguro. Nesse meio tempo, ele avista Luisa na outra ponta do jardim e ficou imensamente aliviado. Eles mesmos escreveram seus votos matrimoniais e trocaram as mais belas alianças. Luisa mencionou o fato de tudo ter feito sentido com o passar do tempo e ele disse como a vida dele começou a ter sentido quando Luisa entrou nela.

Foi uma festa linda, com as pessoas mais felizes, todos os amigos, toda a família, os passarinhos, as flores, todos sabiam que era a consagração do amor verdadeiro, real, puro e intenso.

O casal passaria a lua-de-mel na Europa e ficariam lá durante algum tempo para que Luisa pudesse fazer mestrado e doutorado em História da Arte na Université Paris-Sorbonne, na França.

A caminho do aeroporto, pediram para o motorista ir com cuidado, pois ainda havia tempo.

Chegaram, fizeram check-in, entraram no avião e se beijaram. Um beijo, até que enfim. Um beijo de casados. Um beijo de verdade, na sua pseudoprivacidade. Um beijo de felicidade e paz. Um beijo de despedida. Olavo colocou o braço no ombro de Luisa e esta segurou a sua mão.

No dia seguinte, entre lágrimas, Mateus dizia para a Dona Agatha, mãe de Olavo, a trágica notícia. O avião tinha caído, os corpos de Olavo e Luisa foram encontrados. Estavam abraçados, unidos para sempre pela carbonização.

Foram enterrados no mesmo caixão – feito sob medida -, e jazem juntos. Espera-se que, suas almas (almas gêmeas) continuem tão unidas quanto seus corpos curiosamente estão. Unidos para toda a eternidade.

A B Queiroz
Enviado por A B Queiroz em 01/07/2012
Código do texto: T3754906
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