Presentes de Natal
Walter era um menino alegre, sempre bem-humorado e como era comum na sua época, década de 20, os meninos aceitavam facilmente as situações sem contestações. Bem diferente dos meninos de hoje, questionadores e ativos, querem saber de tudo o porquê. Cada época, cada geração tem seus encantos, cabe a nós descobri-los.
Waltinho, como era chamado carinhosamente por familiares e vizinhos, ansiava pelo Natal, aliás, como todas as crianças; e isso não muda nunca. O encanto do Natal persiste vencendo todas as gerações, todas as mudanças. Nem mesmo a poderosa tecnologia mudou isso. As crianças ainda põem seus sapatinhos na janela.
Afinal, o que Walter não contestava? A ausência do seu pai. O Sr. Avelino era da marinha e tinha cinco filhos com sua esposa, Dona Ambrosina. Ele viajava por longos períodos garantindo o sustento da família, enquanto ela cuidava da humilde casa e dos filhinhos. Eram cinco ao todo e apenas uma menina, linda menina de olhos claros a quem todos chamavam de Moreninha.
Era Natal, as crianças da rua exibiam seus brinquedos. Os meninos chutavam as bolas uns para os outros ou exibiam seus carrinhos; já as meninas, brincavam de casinha com suas panelinhas, bonecas a quem traziam no colo com todo cuidado.
Na noite anterior, Walter e seus irmãos também deixaram seus sapatinhos na janela sob o olhar triste de Ambrosina. Com o marido longe já era difícil mantê-los com o parco dinheiro que recebia, ou melhor, que era enviado de Avelino. E vinha a dúvida em seus pensamentos... como comprar presentes para os cinco? Uma lágrima brotava-lhe nos olhos negros, mas sua postura rígida e forte não permitia que ela chorasse.
Ambrosina não deixaria a peteca cair. Mais uma vez seria forte. Mais uma vez não se abateria com mais aquilo. Como se não bastasse a saudade que sentia de Avelino, a ausência no lençol branco de sua cama.
Era véspera de Natal e mais um ano sem presentes. Para ela, nada exigia, mas os filhos... Foi quando teve uma ideia! Viu as nozes, avelãs, passas e tâmaras compradas com a economia diária e decidiu “vai ser isso!”
Carinhosamente, Ambrosina preparou os presentes, eram cinco, cuidadosamente embrulhados, com uma fitinha vermelha para Moreninha e azul para Waltinho e os meninos. Na manhã de Natal, eles teriam as guloseimas que tanto ansiavam durante o ano.
E assim foi... a noite de sono, a expectativa, o presente do Noel. Os olhares curiosos, as mãozinhas aflitas a desamarrarem os presentinhos... o olhar firme de Ambrosina. Cada um com seu pacotinho, com suas delícias de Natal.
Preferiram permanecer em casa para comer no isolamento e aconchego do lar.
No fim da tarde, Walter foi ver os meninos na rua, e quem sabe, chutar uma bola ou rodar um pião.
Tudo estava em paz. E no conformismo de uma geração, as crianças brincavam. Eis que chega uma vizinha dentuça, que conhecia bem a situação de Ambrosina, e, num misto de terror e maldade perguntara a Walter o que ele havia ganhado.
O menino tacitamente disse: nozes, castanhas, avelãs...
E ela inconformada com a aceitação dele disse: “Mas isso você já tem em casa!”
Nada teria abalado Walter se não fossem os terríveis dentes que pareciam saltar-lhe a boca. Pela primeira vez ele viu aquele rosto com terror e teve medo. Correu para casa, assustado, com o coração aos pulos.
Na manhã seguinte, tudo estava bem e esquecido. Mas aquela dentadura Walter nunca esqueceu.