Elias, o marceneiro.
ELIAS, O MARCENEIRO.
Conto de Honorato Ribeiro dos Santos.
José Dionísio, um ricaço bastante influente entre os coronéis da cidade de Carinhanha, à margem esquerda do Velho Chico, banhada por dois rios: São Francisco e Carinhanha, esse divide os estados de Minas Gerais com a Bahia pelo rio, que deu origem o nome da cidade. Seo José Dionísio fez um pedido duma compra de um violão importado da Inglaterra.. Quando chegou o pedido do violão pelo correio, ele desembalou e olhou a mercadoria. Era o violão que ele tinha encomendado e chegado da Inglaterra. Violão clássico para concerto. Abriu a embalagem e viu o lindo violão bem trabalhado. O tampo de harmonia era bem ornado de madrepérola. A vista do braço do violão tinha os sinais nas casas 5, 7, 9 e 12 botões de madrepérolas e o bojo também todo em volta dele era adornado de madrepérola. Todo envernizado que se via, como num espelho a sua foto do brilho do verniz na madeira de ébano. Envernizado a cor de vinho. Os amigos de seo José Dionísio, quando souberam que havia chegado o violão foram à sua casa para ver como seria o tal violão importado da Inglaterra. Muitos amigos foram e a casa encheu de curiosos. Um deles era o Normanha, outro ricaço e bem respeitado na cidade. Quando o Normanha viu o violão, ao invés de admirá-lo disse para o amigo, José Dionísio e os presentes amigos: “Não sei por que vocês estão admirados ao ver esse violão! Só porque foi importado da Inglaterra. Foi uma besteira que fez meu amigo, José Dionísio, encomendando um violão da Inglaterra, quando poderia mandar fazer aqui mesmo.” Disseram todos num só coro: “Deixe de lorota, Normanha!” Onde é que aqui tem gente que possa fabricar um violão desse importado da Inglaterra?! Disse seo José Dionísio. Respondeu o Normanha: “Pois é, eu conheço aqui em Carinhanha um marceneiro que fabrica um violão melhor do que esse aqui importado da Inglaterra”.
-Está ficando louco, Normanha? Igual esse violão?!”
-Sim. Exatamente melhor do que esse aqui.
-Não acredito. Você está gozando e querendo até me dizer que eu sou um bobo ou exibido comprando um violão importado, dando valor mais o estrangeiro do que brasileiro e baiano daqui de Carinhanha. Já pensou se isso fosse verdade?! Todos deram risadas. Foi então que o Normanha disse:
Podem rir, pois conheço um filho daqui, marceneiro, que faz um melhor do que esse.
-Então, Normanha, diga-me quem é esse marceneiro?
-É o Elias e você o conhece.
-Vamos apostar, Normanha, que ele não é capaz de fabricar um violão igual a esse?
-Vamos. Pode dizer a sua aposta e eu topo.
-Vamos apostar cinqüenta mil reis com testemunha e vamos ao cartório registrar a aposta.
-Perfeitamente. Está aqui o meu cinqüenta mil reis. E vou chamar o Elias aqui, agora.
-Está feito a aposta.
Fizeram a aposta e depositaram em cartório com assinatura dos dois e das testemunhas. Normanha foi à casa de Elias e trouxe-o para ver o violão. Assim que viu o violão, olhou bem e disse. Eu faço um igualzinho a esse, mas eu tenho que o levar como amostra. Vou demorar um pouco, pois eu faço a mão. Mas lhes garanto que faço, talvez melhor do que esse. Pegou o violão e seguiu caminho para a sua casa. Um mês depois, Elias chegou à casa do seo Dionísio com os dois violões e disse para o seo José Dionísio: Chame o Normanha e as testemunhas para ver o meu violão. Imediatamente José Dionísio mandou chamar todos. Chegaram e o Elias tirou cada um do saco e colocou-os sobre a mesa e disse. Pegue o seu violão, seo Dionísio. Mas seo José Dionísio ficou olhando para um e para outro sem saber qual seria o seo violão. Resolveu apanhar sobre a mesa um dos dois. Assim que ele pegou o violão o Marceneiro Elias disse-lhe: Esse aí não é o seu violão, seo José Dionísio, esse é o que eu fabriquei.
-Como não é o meu?
-O seu tem o selo de fabricação da Inglaterra e o meu não. Pode observar.
-Seo José Dionísio olhou e não viu a marca: “MADE IN ENGLAND” no violão que ele pegou. Já o dele tinha. Quando viu a marca, gelou-se todo, quando viu que aquele violão estava bem fabricado e mais bonito do que o dele. Decepcionado, deixou o violão sobre a mesa e desembolsou os cinqüenta mil reis para pagar o Normanha. Todos bateram palmas para o Elias. Foi o prato do dia a noticio que correu de boca em boca: Seo Normanha ganhou um dinheirão com a aposta que fez com seo José Dionísio. Ele não sabia que o Elias fabricava violão melhor do que o da Inglaterra. Agora o Normanha tem um violão melhor do que o de seo José Dionísio e ainda ganhou um bom dinheiro. Cinqüenta mil reis é pra quem é mesmo rico. O violão que o Elias fabricou a mão é mais bem feito e mais bonito do que o dele importado da Inglaterra. Por isso têm uns ditos populares: “Santo de casa não faz milagre”. “Ninguém é profeta em sua terra”. “Casa de ferreiro o espeto é de pau”. Parecem-nos esses ditos mais uma profecia, pois é verdade: Os filhos da terra onde nasceram não têm muito valor. O Normanha deu ao Elias os cinqüenta mil reis e ficou com o violão. Essa terra minha é cheia de artista que o “Fantástico” da Rede Globo nunca soube para reportar uma verdadeira notícia fantástica à beira do Velho Chico. É aqui que moram os anônimos artistas do Brasil.
hagaribeiro.