ELA NÃO VEM.
Foi tudo muito rápido. Em um instante meu carro rodopiou sob um forte impacto e foi parar do outro lado da pista. Tirei o cinto de segurança e sai cambaleando. Havia fumaça no motor, e marcas de pneus no asfalto.
Não havia mais ninguém lá, a não ser o carro que colidira com o meu. Corri como pode em direção daquele luxuoso sedan que agora estava com suas quatro rodas viradas para cima. Dentro dele havia uma mulher. Ela era linda. Usava um vestido preto e luvas, seu rosto estava manchado pelo sangue, seus braços, quebrados.
Ela estava morrendo, eu precisava fazer alguma coisa.
Abaixei-me sentindo uma forte dor nas costelas, e foi ai que percebi que uma delas estava quebrada. A mancha vermelha sobre minha camisa não deixava dúvidas. Ignorando a dor, entrei no carro para tirá-la de lá.
Quando me viu, ela sorriu. Como é possível que uma pessoa que está morrendo seja capaz de dar um sorriso tão fraco que possa expressar tanta alegria pelo simples gesto de ajuda? Ela pegou minha mão, e com dificuldade, a retirei de lá.
Seu olhar era doce, porém fraco. Suas mãos delicadas estavam de um tom branco muito forte, e quando a carreguei em meus ombros, senti sua lágrima delicada cair em meu braço. Aquele calor simbolizava sua vida, que agora a estava deixando, pouco a pouco, indo embora.
Deitei-a no chão e procurei meu celular. Ela segurou meu pé e fez sinal para que eu me aproximasse. Ela estava tentando falar, me dizer alguma coisa.
-Hoje é meu aniversário – dizia ela – pode me dar parabéns?
-Parabéns - disse eu desajeitado.
-Eu estou morrendo?
-Não querida – senti um gosto amargo na boca – você vai ficar bem...
-Você promete? Eu não quero morrer... sou nova, não quero partir...
Um soluço azedo veio em minha boca e tossi. Olhei para trás, na direção do meu carro, e pude ver o brilho de uma garrafa.
-Eu não queria estragar sua festa... eu vim te pedir desculpas, e olha o que eu fiz...
Então, ela me interrompeu, juntou as forças que tinha, e pousou as mãos sobre o meu rosto... estavam frias.
-Eu te amo, papai.
Dizendo isso, suas mãos caíram e, em meu desespero juntei meu rosto ao seu, ainda quente pelas lágrimas de dor que fiz ela derramar.
Acordei assustado. Olho para trás e ali está ela. Michelle, 25/08/1987 ** 25/08/2009. Hoje ela completaria 25 anos. E aqui estou eu, sob sua lápide encardida, com uma garrafa em minhas mãos, aguardando ansioso que a morte venha me buscar, e me leve de encontro a minha filha que eu tanto amei.