Conflitos do interno ditos ao externo
Um sujeito embotado, quase artístico adentrava as velhas portas daquele decaído lugar. Não o “decaído” da nova moda jovial – elegante e belo -, mas o “decaído” clássico, fétido e putrefato. Leon não costumava ligar muito para formalidades, era daquele tipo pleonástico: formal, mas que desprezava a essência de sua própria aparência. Mas sejamos justos, a aparência, embora já meio desgastada pela semi calvície, deveria chamar a atenção: uma barba loira e uns olhos azuis grisalhos de visível tom nórdico-melancólico, um porte grande. A gravata negra aberta, o sobretudo apertado e uma aura das mais obscuras. Tudo isso construindo a pintura ambulante que era aquele rosto escarificado no gelo. Deveria chamar atenção, obviamente. Sim, mas não ali. Não naquele lugar que evidentemente era o antro dos perdidos, o refúgio dos fracos.
Um cartão de crédito poliglota aqui, um par de seios ali, uma vagina falante acolá. Era isso que todo mundo via. Mas não Leon Bathory. Não ele. O que ele procurava nessa vazia cidade de Curitiba era mais do que seus habitantes vazios. Era alguém. Ou alguém que alguém lhe apresentaria.
Um forte perfume de egocentrismo patológico, de insanidade inebriante e Leon soube que ele chegou. Whisky em mãos, cigarro de canto de boca, baforadas em seu pescoço. O conjunto compondo uma trilha sonora sensual e macabra.
— Olá Weiss. — Ele continuava como Leon se lembrava: um filho da mãe de marca maior, de muitas marcas na verdade. Aquele olhar lupino de matreiro ardil não escondia a torpe argúcia de umas doces palavras: tudo aquilo que todos queriam ouvir. Mas a aparência mudara um pouco. Mais velho, mais cinzento, mais profundo. No mais, quase idêntico a Leon.
— Servus, meu amigo. Como estão os ventos da Húngria? — Disse aquilo em um Húngaro pesado, o sotaque alemão era vitalício. Por mais desagradável que fosse tolerar os ‘’r’’ gritados, era muito arriscado falar com esse homem em sua língua natural. Era como dar ao Diabo seus medos. Só que, nesse caso, o Diabo não teria misericórdia.
— Bem, bem. Onde está ela? — Apressado, nervoso, desconfortável como o cordeiro que adentra a cova do Leão.
— Acalme-se Herr Bathory. Não foi com pressa que sua ascendente eternizou sou arte! — Referência a Erzebet Bathory. Ofenderia a qualquer um.
— Filho do puta! Não desejo que isso demore mais do que o necessário! — Ninguém deseja brincar com o incontrolável mais do que o suficiente para satisfazer sua luxúria. Não quando ela, ao menos, tem limites.
— Ela já está vindo, meu sanguinário e impaciente amigo. Como anda sua arte? Muito rentável eu presumo. — Cinismo admirável. Weiss sabia muito bem o que o amigo andava fazendo.
Antes que Leon pudesse responder, ela se aproximou, linda, brilhante e fria. Os cabelos louros d’ouro, a pele alva de morte. Era como uma onda de inverno que adentrava aquele sinistro lugar na Rua Vicente Machado. Os olhos, dos mais verdes já vistos causavam a inebriante ilusão, ou talvez clarividência, de serem fendidos, como a mais peçonhenta das serpentes. Os seios fartos sustentados pelos desejos desses dois, tão frágeis em sua carne. As ancas balançantes como o frágil drakkar que há muito trouxera os ascendentes deles dos mares frios para esse recanto das terras tupiniquins.
Nada mais importava.
Ela cumprimentou os dois com molhados beijos nos finos lábios rachados de ambos. Um hipnotizado, o outro entediado.Puxou Leon pela mão e se foram para os domínios de sua própria torpeza, carne e luxúria. Weiss ali ficou, conformado por não ter mais a paciência de seu amigo para os prazeres fúteis que a moça representava, nem para as grandes discussões que outrora levantara.
Tudo o que Weiss podia fazer, e fazia, era ser a própria revolução, cravar a própria liberdade entre as veias da moral. Mas não assim. Não com desonra. Não mais.