A BOLHA DE VIVER

Um jovem professor de Literatura, em sala de aula, tenta abordar a temática da Poesia, e empolgado, faz pilhéria com os alunos do ensino médio, todos muito temerosos com a prova do vestibular. Dono da bola, pleno de humor, toma um gole d’água e na maciota, reza a sua fala... O poema pode ser visto assim: um maluco em meio a um jardim de muitas flores, com uma bolha de sabão estalando nos lábios, junto ao canudinho, e na outra mão, o caneco amassado da infância... O lirismo é incomum e inusitado. Sua função no mundo é a de propor o encantamento, tal o arco-íris dentro da lépida bolha de água e sabão: faceira, efêmera, brilhante, a ponto de chamar a atenção para ela e para a doidice de fazer pequenos sois de água e sabão. Neste momento o esquálido jardineiro utiliza pernas-de-pau – que é o que o liga à realidade – e com elas fica mais alto do que os arbustos. E de imediato, num repente, talvez uma nesga de céu desça pra nos mostrar o "arco-da-velha" ao alcance das mãos. Mesmo que se queira guardar os rascunhos nas gavetas, a voz poética foge para mostrar-se. Porque em Poesia, o estado de espírito nunca será realmente passado a limpo. Dentro e fora da bolha de viver... Os alunos entreolham-se. No corredor, ouve-se a sirene que anuncia o final da aula. Alguns desataviados – poucos – em algaravia atropelam-se uns e outros, varando o pátio da escola, direto para o jardim. É inverno. Não há flores. Somente o busto de Castro Alves e sua mão estendida aos inconformados...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2012.

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