Incomunicabilidade
 

 
Pela fresta, via  a festa. Janela entrefechada, só os olhos espiando, o  nariz mal respirando, tocado e amassado contra a vidraça fechada e empoeirada, embarrada pela chuva que vem de dentro.
Pela fresta a vida foi passando, botão que nunca floresceu de uma rosa pálida e sem perfume, a vida sem laterais, sem desvios ou encruzilhadas. Só a fresta. E a moça triste, de pé, olhando pela janela, pela fresta da janela, jamais aberta, só entreaberta. E a luz que vinha da vida jamais iluminou o quarto escuro e as sombras  da câmara negra jamais ofuscaram a luz da vida. E o vento que carregava as folhas mortas, os papéis displicentemente jogados, jamais carregou a poeira daquele cômodo sem luz. Sem ar. Sem vida. Prisão. Túmulo. Mausoléu sem placa de identificação. Quem mora ali? Um fantasma sem lençol,sem correntes barulhentas, um fantasma de uma vida que não foi.
 

Maria Olímpia Alves de Melo


(Escrevi para o BVIW, que carinhosamente chamo de o Blog da Marília. É um blog de pequenas crônicas, especial. Bem que a Marília viu que esse escrito não era uma crônica, mas votou nele assim mesmo. Sim, porque sempre há votação e eu ganhei o Ouro comunicando a minha incomunicabilidade. Fiquei toda empolgada.)