DES(ENCONTROS)
__ Oi.
Meu Deus, meu coração acelerou e pensei que ele iria sair do peito. Nunca imaginei que voltaria a ter esse sentimento depois de tantos anos de solidão. É algo que para mim soa estranho, aos meus ouvidos esquecidos de palavras de carinho e já acostumados ao silêncio das longas e frias noites de um eterno inverno na minha alma.
O dia estava muito quente e eu cheia de compromissos. Estava muito atarefada naquele dia em que consegui uma folga para colocar tudo em ordem, que o suor me escorria pelo rosto e me queimava a pele naquele dia de verão. Aqui dentro estava cansada da correria e confusa com tantas tarefas, quando subitamente senti uma mão que recostou em meu ombro dizendo apenas “oi”.
Quando virei o rosto para ver de quem era aquela voz firme e que soava imperativa foi que senti o coração palpitar de maneira indiscriminada... Era ele, depois de longos dez anos de silêncio e ausência. Tremendo no corpo e na alma apenas consegui dizer:
__ Tudo bem.
Ele entregou-me o número de seu telefone rabiscado num papel, ali mesmo, dizendo para que eu entrasse em contato. Peguei-o e coloquei na bolsa fazendo um gesto positivo com a cabeça e saindo apressadamente, como entrei, guardando meus papeis. Saí para a rua, mas não conseguia ver nada. O movimento dos carros e do trânsito, o barulho urbano deixava-me com a vista escura e cansada. Em meus pensamentos não havia espaço para as demais tarefas que havia me proposto realizar naquele dia, e quase fui atropelada ao atravessar a rua com sinal vermelho. A buzina estridente de um automóvel me acordou para a vida e para a realidade, cinco quarteirões daquele encontro surreal. Voltei ao normal e terminei minhas tarefas.
Em casa. Anoiteceu. Abri a bolsa e li aquele número escrito num papel qualquer com um significado profundo. Olhei ao lado e vi a foto de Bernardo, nosso filho, com dez anos agora na cômoda do meu quarto, onde há ainda a cama de casal que um dia abrigou nós dois. Na bolsa estava o celular. Digitei os cinco primeiros números e apaguei. Desisti. Meu corpo tremia e estava eu abalada emocionalmente. Não era aquele o momento. Meu filho me sorria sem entender nada do que se passava. No rosto de Bernardo eu via o sorriso de Paulo, idêntico e revivia meu passado. Joguei aquele papel numa gaveta da velha cômoda que havia sido de minha mãe. Abracei meu filho e coloquei-o pra dormir.
Paulo foi meu namorado e nos casamos. Ele trabalhava em uma empresa que exigia dele longas viagens, que às vezes durava um mês. Duas semanas após nosso casamento ele se ausentou por um longo período. Ao chegar em casa, abraçou-me com saudade imensa e eu o recebi com a notícia que deveria ser para ele a maior alegria.
__ Estou grávida meu amor!
__ Como? Grávida? Há quanto tempo?
__ Dois meses. Descobri ontem, mas não quis contar-lhe por telefone, queria ver sua expressão de alegria no rosto, ao vivo.
Paulo ficou pensativo. Não sorriu como eu esperava. Fitei bem seus olhos e o encarei como a interrogar o que se passava com ele. Friamente respondeu:
__ De quem é o menino?
Eu nem consegui responder. Ele saiu de casa no mesmo dia e eu fiquei com minha dor. Bernardo é a cópia do sorriso dele e agora já está crescido. Sofri muito para cuidar de nosso filho. Ele desapareceu sem dar sinal de vida até nosso reencontro de hoje. Foram noites de angústia, medo, solidão e pavor. Mas graças a Deus consegui superar todos os limites e ir liquidando aos poucos com o amor que eu sentia por ele. Foram dez anos de ausência e neste tempo pude reconstruir minha vida. Tenho minha casa e minha profissão, e tenho meu filho que me dá orgulho e carinho. Mas ainda posso ver a lua através da janela do quarto, aberta para amenizar o intenso calor desta noite e permito que uma lágrima me escorra pela face. Ele mexeu comigo...
Bernardo foi chamado. É a vez dele. Que orgulho! Ele lindo, na beca, tornando-se o médico tão sonhado, com minha luta e meu esforço. A imagem da cerimônia está em minha mente como o mais belo canto dos anjos. Reviro uma gaveta velha para encontrar uma foto do meu filho que sei que está por aqui. No fundo, quinze anos depois, encontro um papel jogado e o abro. É o telefone dele. Está aqui, intacto. Olho para meu celular, digito o primeiro número. Lágrimas ainda me cobrem o rosto, tantos anos depois. O segundo número aparece no visor, minhas mãos tremem, fecho os olhos, relembro tudo. Meus dedos nem sempre obedecem ao comando da mente. O coração, entretanto me evidencia uma dor, incalculável, profunda, avassaladora. Não sei o que fazer. Digito o terceiro número...