A Cachorreira
Ela estacou quando ele passou por ela, tinha sido inesperado. Após um segundo paralisada foi em sua direção. Queria pegá-lo. Compreendeu que estava completamente apaixonada. Nunca mais o esqueceria. Iniciou o momento de declive, mas duas mãos que não eram as suas foram mais rápidas e zás! ele já estava em outros braços. Encararam-se. A outra tinha uma aparência suja, de quem vive nas ruas. Parecia-se com uma cigana velha, embora os olhos desmentissem isso. Os seus e os dela. Era jovem. Parecia sem banho há longo tempo, mas ele não parecia se importar. Aconchegou-se e lambeu-lhe o rosto. Ela explicou, sem precisar: vive fugindo de mim, gosta de aventuras, fico em pânico quando ele se desgarra. O coração doeu, um aperto. Ele já era amado, tinha dona.
Não se conformou, como se desgarrara uma vez, podia acontecer outra. Ela estaria lá, pronta a acolhê-lo nos braços. Não teve mais sossego. Andava pelas ruas à sua procura, como uma dona sem cachorro. Onde estivesse um bando reunido, se aproximava. Onde avistava uma riponga, se achegava. Nunca mais os viu, nem a ele, nem a ela. Desapareceram de seus olhos como se nunca tivessem sido vistos. Mas ela não desistia, não desistiria nunca. Acabou se esquecendo de voltar para casa. Acabou se esquecendo que um dia tivera casa. Passou a dormir com eles, os cães sem dono. Foi adotada, mas nunca se entregou. Sua alma não desistia nunca, de encontrá-lo.
Com o tempo, abandonou o bairro, foi-se embora da cidade. O séquito a seguia, aonde ia. Caminhou por estradas, atravessou pontes, cruzou fronteiras. A cachorreira, era assim que a chamavam.
Transformou-se em lenda. Eles cuidavam dela, ela era deles. Por onde passavam, novos seguidores juntavam-se ao bando. Passaram a ser perseguidos, jogavam pedras, algumas perdas foram inevitáveis. Passaram a se esconder, viviam pelos matos, rodeando fazendas, buscando alimentos. Um dia descobriu que não sabia mais falar. Latia como eles, uivava, gania, chorava. Mas não desistia. Um dia acharia o seu pequeno e tudo voltaria a ser como antes. Um dia...
Um dia não conseguiu mais se levantar. Uma pedrada na cabeça, uma infecção, a perda da visão. Ela ficava lá, estirada, escondida, enrodilhada. Estava muito fraca para lutar por qualquer coisa. Para querer qualquer coisa. Deitou-se na escuridão a espera da escuridão total. Aquela, sem esperança. E para a escuridão se entregou.
Acordou de mansinho com uma lambidela no rosto. Abriu os olhos, certa de que nada veria. Mas uma luz radiosa quase a cegou. Ele estava ali, na sua frente. Ele, a quem procurara por tanto tempo. Finalmente se encontraram e nada mais poderia separá-los. Ele brincava na sua frente, fazendo acrobacias. Ouviram o barulho de água batendo nas pedras. Correram até lá, em direção ao rio e sobre ele se debruçaram. Os dois. E foi isso que ela viu, dois cachorrinhos alegres fitando o rio. Juntos para sempre.
Ela estacou quando ele passou por ela, tinha sido inesperado. Após um segundo paralisada foi em sua direção. Queria pegá-lo. Compreendeu que estava completamente apaixonada. Nunca mais o esqueceria. Iniciou o momento de declive, mas duas mãos que não eram as suas foram mais rápidas e zás! ele já estava em outros braços. Encararam-se. A outra tinha uma aparência suja, de quem vive nas ruas. Parecia-se com uma cigana velha, embora os olhos desmentissem isso. Os seus e os dela. Era jovem. Parecia sem banho há longo tempo, mas ele não parecia se importar. Aconchegou-se e lambeu-lhe o rosto. Ela explicou, sem precisar: vive fugindo de mim, gosta de aventuras, fico em pânico quando ele se desgarra. O coração doeu, um aperto. Ele já era amado, tinha dona.
Não se conformou, como se desgarrara uma vez, podia acontecer outra. Ela estaria lá, pronta a acolhê-lo nos braços. Não teve mais sossego. Andava pelas ruas à sua procura, como uma dona sem cachorro. Onde estivesse um bando reunido, se aproximava. Onde avistava uma riponga, se achegava. Nunca mais os viu, nem a ele, nem a ela. Desapareceram de seus olhos como se nunca tivessem sido vistos. Mas ela não desistia, não desistiria nunca. Acabou se esquecendo de voltar para casa. Acabou se esquecendo que um dia tivera casa. Passou a dormir com eles, os cães sem dono. Foi adotada, mas nunca se entregou. Sua alma não desistia nunca, de encontrá-lo.
Com o tempo, abandonou o bairro, foi-se embora da cidade. O séquito a seguia, aonde ia. Caminhou por estradas, atravessou pontes, cruzou fronteiras. A cachorreira, era assim que a chamavam.
Transformou-se em lenda. Eles cuidavam dela, ela era deles. Por onde passavam, novos seguidores juntavam-se ao bando. Passaram a ser perseguidos, jogavam pedras, algumas perdas foram inevitáveis. Passaram a se esconder, viviam pelos matos, rodeando fazendas, buscando alimentos. Um dia descobriu que não sabia mais falar. Latia como eles, uivava, gania, chorava. Mas não desistia. Um dia acharia o seu pequeno e tudo voltaria a ser como antes. Um dia...
Um dia não conseguiu mais se levantar. Uma pedrada na cabeça, uma infecção, a perda da visão. Ela ficava lá, estirada, escondida, enrodilhada. Estava muito fraca para lutar por qualquer coisa. Para querer qualquer coisa. Deitou-se na escuridão a espera da escuridão total. Aquela, sem esperança. E para a escuridão se entregou.
Acordou de mansinho com uma lambidela no rosto. Abriu os olhos, certa de que nada veria. Mas uma luz radiosa quase a cegou. Ele estava ali, na sua frente. Ele, a quem procurara por tanto tempo. Finalmente se encontraram e nada mais poderia separá-los. Ele brincava na sua frente, fazendo acrobacias. Ouviram o barulho de água batendo nas pedras. Correram até lá, em direção ao rio e sobre ele se debruçaram. Os dois. E foi isso que ela viu, dois cachorrinhos alegres fitando o rio. Juntos para sempre.