MAIS UM DE NATAL
Recém chegados de minha aldeia, morávamos no bairro Floresta de Porto Alegre.
Naquele ano de 64 a família tinha decidido que o Natal seria comemorado no apartamento de meu tio que morava no centro da cidade. No fusca de meu irmão seguiram meus pais e duas irmãs. Meus doze anos autorizavam que eu fosse de bonde ou ônibus, acompanhado de minha outra irmã, imediatamente mais velha que eu.
A Cristóvão Colombo estava iluminada a encher os olhos de estrelas e o coração de ternuras natalinas. Uma infinidade de carros agitava a avenida, mas nenhum bonde dobrava a curva dos bombeiros em direção ao centro. À medida que o tempo passava, o encantamento da roupa nova e do perfume emprestado que delicadamente me envolvia, davam mostras de que não resistiriam ao medo de perder a festa e ver, mais uma vez, não atendidos os pedidos feitos a Papai Noel.
Na minha ansiedade, não percebi o momento em que ele apareceu ao meu lado na parada do bonde. Devia ter uns sete anos de idade e, aparentemente, estava só, pois, olhando ao redor apenas vi, além dele, minha irmã. Deixei de lado a curva dos bombeiros e olhei para ele.
Tinha os cabelos cortados à moda militar, em escovinha, um rosto redondo e olhos azuis, que refletiam intensamente o piscar do neon da loja do outro lado da rua. Vestia camisa listrada, branca e preta, uma bermuda azul e sandálias de camurça marrom.
Curioso e surpreso por ver um menino tão jovem ali sozinho, disse-lhe um "oi" de aproximação e abertura de diálogo. Ele me olhou como se estivesse me descobrindo naquele momento e me respondeu um "oi" educado e desinteressado. Foi assim como que uma resposta de quem estava imerso em pensamentos importantes e súbito fora interrompido pela realidade do momento. Depois do "oi" descuidado, permaneceu olhando o brilho das luzes de neon que se refletiam no paralelepípedo molhado pela garoa que se iniciava.
Ficamos ali parados os dois a olhar a rua molhada. Havia algo entre ele e eu, mas evitei retomar o contato, porque percebi que ele estava novamente imerso na contemplação do jogo de luzes que enfeitavam a avenida preparada para o Natal.
Havia algo que me ligava a ele, que me transmitia paz, que me projetava um estado de euforia e de compreensão, algo que me dissipava as dúvidas e preenchia meu peito de certezas. Anos depois, aprendi a chamar esta percepção de intimidade. Naquele momento, no entanto, o que senti foi permissão para não querer, para não partir, para não decidir.
Quando, finalmente, o bonde dobrou a curva dos bombeiros, ele se voltou para mim e sorriu, como se tivesse lido meus pensamentos.
Ao entrar no bonde, com minha irmã, perdi-me dele.
Outro dia, revendo fotos antigas, deparei-me com a imagem dele, ao lado de meu pai, perto da árvore de Natal ne nossa casa da antiga aldeia.
Recém chegados de minha aldeia, morávamos no bairro Floresta de Porto Alegre.
Naquele ano de 64 a família tinha decidido que o Natal seria comemorado no apartamento de meu tio que morava no centro da cidade. No fusca de meu irmão seguiram meus pais e duas irmãs. Meus doze anos autorizavam que eu fosse de bonde ou ônibus, acompanhado de minha outra irmã, imediatamente mais velha que eu.
A Cristóvão Colombo estava iluminada a encher os olhos de estrelas e o coração de ternuras natalinas. Uma infinidade de carros agitava a avenida, mas nenhum bonde dobrava a curva dos bombeiros em direção ao centro. À medida que o tempo passava, o encantamento da roupa nova e do perfume emprestado que delicadamente me envolvia, davam mostras de que não resistiriam ao medo de perder a festa e ver, mais uma vez, não atendidos os pedidos feitos a Papai Noel.
Na minha ansiedade, não percebi o momento em que ele apareceu ao meu lado na parada do bonde. Devia ter uns sete anos de idade e, aparentemente, estava só, pois, olhando ao redor apenas vi, além dele, minha irmã. Deixei de lado a curva dos bombeiros e olhei para ele.
Tinha os cabelos cortados à moda militar, em escovinha, um rosto redondo e olhos azuis, que refletiam intensamente o piscar do neon da loja do outro lado da rua. Vestia camisa listrada, branca e preta, uma bermuda azul e sandálias de camurça marrom.
Curioso e surpreso por ver um menino tão jovem ali sozinho, disse-lhe um "oi" de aproximação e abertura de diálogo. Ele me olhou como se estivesse me descobrindo naquele momento e me respondeu um "oi" educado e desinteressado. Foi assim como que uma resposta de quem estava imerso em pensamentos importantes e súbito fora interrompido pela realidade do momento. Depois do "oi" descuidado, permaneceu olhando o brilho das luzes de neon que se refletiam no paralelepípedo molhado pela garoa que se iniciava.
Ficamos ali parados os dois a olhar a rua molhada. Havia algo entre ele e eu, mas evitei retomar o contato, porque percebi que ele estava novamente imerso na contemplação do jogo de luzes que enfeitavam a avenida preparada para o Natal.
Havia algo que me ligava a ele, que me transmitia paz, que me projetava um estado de euforia e de compreensão, algo que me dissipava as dúvidas e preenchia meu peito de certezas. Anos depois, aprendi a chamar esta percepção de intimidade. Naquele momento, no entanto, o que senti foi permissão para não querer, para não partir, para não decidir.
Quando, finalmente, o bonde dobrou a curva dos bombeiros, ele se voltou para mim e sorriu, como se tivesse lido meus pensamentos.
Ao entrar no bonde, com minha irmã, perdi-me dele.
Outro dia, revendo fotos antigas, deparei-me com a imagem dele, ao lado de meu pai, perto da árvore de Natal ne nossa casa da antiga aldeia.