MIGUELITO
Fa freddo...
Fa freddo...
Prende fuoco...
Prende fuoco...
Ele passava grande parte dos dias assim,cantando essas frases e caminhando de um lado pra outro da calçada da casa ao lado esfregando as mãos e segurando as calças.
Miguelito era um velhinho magrinho, sempre alheio a tudo ,vivia em um mundo só dele.
Tinha as calças curtas,amarradas por um pedaço de barbante e usava uma blusa fininha não importando o clima , a roupa era sempre a mesma.
Hoje penso no frio que ele devia sentir.
Miguelito estava sempre desafiando o trem.
Tinha o costume de se sentar sobre os trilhos sempre que o trem estava chegando.
A criançada da rua corria gritando
- Olha lá o Miguelito de novo na linha do trem...
-Levanta Miguelitooo.. olha o trem...
-Sai daí Miguelitooo....o trem ta chegandooo
E nada.
Ele continuava esfregando as mãos , sentado nos trilhos com seus pés descalços cavoucando os pedregulhos da ferrovia.
As vezes pegava um pedregulho na mão e logo trocava por outro mais brilhante.
O trem se aproximava apitando, como que nervoso, pedindo passagem querendo os trilhos limpos mas, Miguelito não se importava nem se abalava, e entre nossos gritos aflitos e o apito bravo do trem ele continuava impassível, cantando , esfregando as mãos e escolhendo pedregulhos.
Víamos a máquina chegar mais perto, o apito do trem mais forte, nossos gritos mais altos, os trilhos vibrando , o barulho confuso dos sentimentos misturados e por fim,na última hora, Miguelito se levantava deixando a serpente de ferro passar quase que colada a seu corpo e como se nada estivesse acontecendo, levantando as calças presas pelo barbante azul e esfregando as mãos ele seguia rua acima.
O trem por fim,passava chacoalhando o solo e arfando feito louco por nós crianças ,ainda assustadas e excitadas com a situação.
Corríamos até ele aos gritos,mas qual, Miguelito era superior a tudo e nos ignorava,seguia em seu mundo solitário e frio.
Fa freddo,fa freddo...
Prende fuoco,prende fuoco...