LUXÚRIA
Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
Mateus 5:28
LUXÚRIA
Madalena era a beleza encarnada. Seu rosto era pequeno e delicado, feito porcelana, de perfeita simetria. O nariz era discreto e arrebitado, acompanhado por lábios grossos e provocantes. O cabelo era curto, liso e preto, repicado na nuca. Era esguia e tinha pernas grossas e atléticas. Mas o que mais chamava a atenção em Madalena, além da voz rouca e suave, eram os olhos grandes e amendoados. Não eram normais aqueles olhos. Sempre brilhavam, não importando se ela estivesse feliz ou triste. Bastava olhar para alguém e obter tudo o que desejasse. Alguém poderia se perder para sempre naqueles olhos.
Recém-saída da faculdade, a jovem de vinte e dois anos trabalhava como secretária em uma multinacional. E lá conheceu um advogado chamado Mateus, casado e pai de dois filhos. Estava em seus trinta e poucos anos. Tinha cabelos e olhos pretos e era branco. Não possuía vícios. Uma discreta calvície já se manisfetava. Não havia nada de impressionante nele, além de ser um homem demasiadamente comum.
A primeira vez em que percebeu Madalena foi quando ela estava anotando ordens do presidente da empresa, de quem era secretária. Mateus nunca imaginaria deparar-se com visão tão perfeita de uma mulher. Foi arrebatado pelo visual estonteante dela: pele branca e perfeita, lábios grossos e vermelhos, cabelo curto, vestido colado, realçando as formas. Pura sensualidade. No início, fingia não reparar o jovem advogado, que olhava para ela cheio de cobiça. Mas então surpreendeu Mateus com um olhar meigo, sorrindo logo em seguida. Sabia que estava sendo observada o tempo todo. E parecia gostar...
Mateus jamais tivera uma mulher como aquela, de tamanha beleza e elegância. E podia apenas apreciá-la feito um lobo faminto. Para ele, ela estava totalmente fora do seu alcance. E não importava que tivesse sorrido. Era apenas um sorriso casual, educado. Jamais poderia tê-la, ele pensava. Jamais...
De uma maneira sutil e irresistível, Madalena passou a fazer parte dos seus pensamentos com frequência. Quando brincava com os filhos, lembrava-se dela conversando e sorrindo com as amigas no trabalho. Ao fazer amor com sua mulher, era incapaz de evitar a imagem das suas pernas se cruzando sedutoramente no escritório. Sempre que lia um livro, imaginava seus dedos percorrendo o decote da jovem até chegar aos seios rijos e macios. Não conseguia tirá-la da cabeça. Era um vício.
Madalena era uma visão do paraíso. Ou de um anjo perdido vagando pela Terra. Depois da primeira vez em que a viu, fez tudo o que pode para encontrá-la outras vezes. Seguia-a pelo elevador. Tirava cópias inúteis sempre que ela ia para a copiadora. Observava-a pelo corredor, nas escadas, no escritório. Admirava-a obsessivamente.
Em dez anos de casamento, o jovem advogado nunca teve um caso com nenhuma outra mulher. Mas Madalena era diferente. Simplesmente não conseguia resistir a ela. E isso era algo totalmente inesperado para alguém que sempre se manteve no controle. Lembrou-se do sentimento da adolescência: estava apaixonado.
E esse era o problema: não podia apaixonar-se. Ele havia batalhado muito para conseguir a vaga de advogado júnior e planejava dedicar-se totalmente ao trabalho, sem interrupções. Precisava subir na carreira e agora era tudo ou nada: ou seria alguém na vida ou mais um fracassado alimentando as estatísticas de desemprego. Sem falar no desastre que seria para sua família.
Mateus era um homem, isso era verdade. Tinha desejos. Mas ele sempre soube preservar o amor que sentia por sua esposa. Nunca permitiu que isso atrapalhasse seu casamento. E o desejo por Madalena havia se tornado um problema. Precisava acabar com aquilo já. E sabia exatamente como.
Numa manhã chuvosa, chegou cedo ao trabalho. Pretendia falar com o chefe e solicitar uma transferência de setor. Logo que chegou, pegou um café e começou a ler o jornal. Ficou feliz por ser o primeiro a lê-lo. Detestava quando o jornal estava amarrotado e com os cadernos trocados.
Exatamente às sete horas, Madalena chegou. A primeira coisa que notara foi o seu perfume, agressivo e provocante. Sentiu o aroma antes mesmo de vê-la. A jovem passou rapidamente por ele, deixando-o apenas com a visão de seu corpo num vestido preto e decotado. Sapatos pretos formavam o conjunto.
Mateus ficou observando enquanto ela organizava a recepção. E foi então que percebeu a ausência de sutiã. Os seios marcavam o vestido, firmes e desafiadores. Ele pigarreou, nervoso. Espremeu o jornal entre os dedos, dobrando-o rapidamente e desviando o olhar.
Respirou fundo, aliviado por Madalena não ter reparado em seu desconforto. Mas quando voltou o olhar rapidamente para ela, poderia jurar ter visto um rápido sorrido em seus lábios.
Tentou manter a concentração nas notícias, mas não resistiu quando a jovem estava diante de si, os seios tentando fugir do decote, oferecendo-lhe café...
Aceita? - perguntou a bela secretária, sorrindo docemente.
Mateus recusou educadamente e saiu desajeitado dali, derrubando o jornal e esquecendo completamente a entrevista com o chefe.
***
Na manhã seguinte, o advogado usava a copiadora quando sentiu um agressivo perfume atrás de si, acompanhado por uma mão delicada e suave que tocou a sua com um calor que o dominou, não deixando espaço para recusa. Era irresistível...
- Ainda não tomamos aquele café juntos – disse Madalena, encostando os seios através da blusa nas costas de Mateus.
Ele virou-se e foi logo tocado no rosto por ela. Sua mão era quente e macia.
- Espere um minuto! Eu sou...
Mateus teria dito que era casado, mas foi silenciado por um beijo doce e profundo, de quase um minuto, mas que se prolongou por uma eternidade de prazer em sua boca.
Madalena soltou seus lábios, deixando-o zonzo, atordoado, aturdido. Tinha ido ao céu e voltado. Nunca havia sido beijado dessa forma, com tanta saliva, calor e gosto. Nem mesmo nos momentos mais íntimos com sua esposa. Estava apaixonado. Completamente apaixonado. Pertencia agora a Madalena.
- Gostou? – indagou ela, arrumando o paletó amarrotado pelo beijo.
- Eu... – Mateus tentou esboçar algumas palavras, mas seu raciocício estava turvado pelo prazer.
Ela sorriu.
- Não precisa responder agora. Você terá outras chances...
Desde aquele beijo, Mateus passou a encontrar Madalena todas as noites. Sempre se justificava para a esposa, dizendo ter reuniões de trabalho. A primeira vez foi idílica. Foram para uma suíte presidencial de um luxuoso hotel e fizeram sexo apaixonadamente, várias vezes e por várias horas, ininterruptamente. Nos intervalos, ele ficava em pé, observando-a nua na cama, balançando as pernas enquanto assistia televisão, parecendo uma garota levada. Transaram no apartamento dela, no carro dele, na praia, no elevador, no escritório e em cima da mesa do chefe após o expediente. Parecia não haver limites para tanto prazer. Madalena era um sonho.
Em casa, Mateus continuava sua vidinha tranquila e monótona de sempre. Fazia amor rotineiro com sua esposa, discutia com ela sobre trivialidades, levava os filhos para a escola e jogava o lixo fora. Cada momento do seu dia era uma espera angustiante para o próximo encontro com Madalena.
No escritório, o advogado gostava de observar madalena conversando com outros homens e sendo assediada por eles. Mas, mesmo nesses momentos, ela olhava para ele e sorria discretamente.
Numa sexta-feira, disse a esposa que estava viajando para um congresso e embarcou com Madalena para um fim de semana numa praia deserta. Passearam de lancha, pescaram, tiveram aulas de mergulho, comeram em ótimos (e caros) restaurantes e fizeram muito amor. Intenso e apaixonado. Sempre que vinham da praia, entravam apressados no quarto de hotel e praticamente rasgavam as roupas um do outro, loucos por sexo. Após o ato, tomavam sempre uma garrafa de vinho tinto, cruzando as taças num drinque romântico. Mateus, que já estava totalmente apaixonado, foi possuído pela beleza estonteante e pela jovialidade dela. Enquanto estavam abraçados na cama, o corpo macio e quente inundando-lhe os sentidos dele, Madalena surpreendeu-o:
Vou tirar férias...
Por quê? – indagou ele, preocupado.
Querido, eu estou trabalhando há anos sem nenhum descanso. Preciso de alguns momentos para mim.
Ele pensou por um tempo, depois percebeu algo e sorriu:
Isso quer dizer que poderemos nos ver mais vezes?
Ela sorriu: - Infelizmente não. Preciso viajar para o interior e visitar minha mãe. Há tempos não a vejo e estou com muita saudade.
Madalena notou o semblante triste de Mateus e tentou consolá-lo:
Não se preocupe. É apenas por um mês. E então voltamos a nos ver. E vai ser ainda melhor.
Ele sorriu. Ela tocou seu rosto e beijou-o longamente. E Mateus jamais sentiria um beijo mais cálido em toda a vida.
No dia seguinte pegaram voos separados de volta à cidade.
...
Era segunda-feira pela manhã quando Mateus desembarcou no aeroporto da cidade depois do fim de semana com Madalena. Resolveu tirar o dia de folga e passear com a família.
Em casa, abriu a porta do apartamento e teve a visão mais surpreendente de toda sua vida: o lugar estava destruído. A sala fedia a tecido queimado misturado com borracha sintética, provavelmente do tapete da sala. O sofá, todo rasgado e perfurado, como se tivesse sido atacado por um animal selvagem. A televisão havia sido quebrava e soltava faíscas. Os quadros, retratando belas paisagens, que ele havia comprado com tanto carinho, manchados com tinta preta e mutilados. Comida estragada tinha tinha sido espalhada por todos os lados. Pelo cheiro, já fazia dias. A estante com vários livros fora derrubada. Mateus já considerava ligar para a polícia quando entrou no quarto: com exceção do guarda-roupas, revirado e com as portas abertas, o cômodo permanecia intacto. Com um pequeno detalhe: no meio da cama havia uma calcinha cor-de-rosa cercada por várias fotografias. Ao se aproximar, Mateus percebeu que as fotos eram dele e de Madalena em momentos de prazer, apesar do rosto dela nunca aparecer nas fotos. O dele, porém, era claramente visível. Sentou-se na cama e pegou a calcinha, percebendo logo que era uma das que Madalena gostava de usar. Olhou para o chão e viu um pacote dos correios aberto. E entendeu tudo: as roupas queimadas no meio da sala eram suas. Seu mundo havia desabado...
...
Depois do choque e de chorar quase meia hora ininterruptamente, Mateus conseguiu recobrar a calma e pegar um táxi para o trabalho. Sua esposa havia destruído seu Mercedes novo, daí o táxi. E o único lugar ao qual poderia ir era o trabalho, pois não tinha família além da esposa e do filho e nunca havia tido um amigo de verdade.
Mateus se sentia desconfortável no táxi. Jamais gostara deles. Achava os motoristas grosseiros e exploradores. O que não era totalmente falso. Mas, de alguma forma, sentia-se invadido em sua privacidade com um motorista por perto. O jeito como era observado por alguém sedento por uma conversa fiada e sem nada melhor para fazer, a não ser intrometer-se na vida alheia, realmente era desconcertante.
São vinte minutos até o centro, senhor – disse o taxista.
Ele concordou com um aceno de cabeça. “Mais vinte minutos de bobagens”, pensou.
Chegando ao escritório da empresa, percebeu um olhar de desdém dos outros funcionários. Logo em seguida, foi prontamente informado por seu chefe de que estava demitido. Suas coisas já aguardavam empilhadas sobre a antiga mesa, esperando para serem levadas embora. O motivo da demissão fora um desfalque de alguns milhões em seu nome. Além de tudo pelo que estava passando, ainda teria um complicado processo criminal pela frente.
O homem sentia-se em um furacão. Não fazia idéia do que o havia atingido. Ou melhor, sabia perfeitamente, mas não queria acreditar. Madalena havia destruído completamente sua vida. Quando perguntou por ela, soube que havia ligado para o escritório e pedido demissão. Uma mistura de raiva e confusão invadia sua mente. Como ela pode fazer isso depois de todos os momentos que tiveram juntos? Depois de todos os presentes que ele havia dado a ela? Depois de todas as juras de amor? E ainda prejudicá-lo no trabalho, provocando sua demissão? Ele já estava cogitando até separar-se da esposa para viver com Madalena. Agora ele entendia porque ela adorava bisbilhotar seus documentos. Não por “curiosidade”, como ela dizia. Mas para obter seus dados bancários. A jovem havia tirado total proveito de sua ingenuidade decorrente da paixão. Era tudo inacreditável.
Mateus sentiu um soco no estômago. A vagabunda havia planejado tudo em detalhes. Havia tirado seu trabalho e sua família. Ele havia perdido tudo. E não havia como recuperar. Duvidava que pudesse ter sua mulher e filho de volta. Eles nunca perdoariam sua traição. Era também improvável que arranjasse outro emprego. A fama de larápio o perseguiria aonde quer que fosse. Era o fim...
O jovem advogado subiu para a cobertura do prédio onde trabalhava. Sentia uma terrível angústia no peito e precisava respirar ar puro. Acendeu um cigarro e tragou por alguns minutos. Acalmou-se. Subitamente, o mundo não parecia mais tão ameaçador
Recostou-se no parapeito do edifício e ficou observando as pessoas na rua, dez andares abaixo. Do alto, pareciam formigas, pequenas e insignificantes. Presas a suas rotinas monótonas e sem sentido. Foi então que Mateus percebeu que tudo era caos, nada importava...
Subiu no parapeito e observou a rua por mais alguns momentos. Subitamente, largou o cigarro e mergulhou no vazio...