ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O ROUBO DAS DONZELAS
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O ROUBO DAS DONZELAS
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Andando e puxando assunto com os moradores mais antigos dessas distâncias interioranas descobrem-se coisas que nenhuma vã filosofia poderia imaginar.
Eis que um dos assuntos deveras palpitante diz respeito ao roubo de donzelas, prática constante nos tempos idos. E dizem que ainda se vê uma vez outra ousadia do tipo, mas somente nos cafundós do Judas, pertinho de onde o vento faz a curva.
Pois bem. Na conversinha de pé de balcão, debaixo das sombras arbóreas, perto da janela ou da porta, por cima das calçadas e mais além, ainda hoje se fala como se dava o roubo das donzelas sertanejas, fato aliás muito desejado pelas próprias raptadas à luz do luar.
Ora, naqueles vãos dos tempos os pais procuravam manter suas filhas numa vigilância descomunal. Menina moça não podia estar de conversinha com homem no meio da rua e muito menos nos escondidos. Pra namorar tinha de ser com rapaz decente, de família de nomeada, com o consentimento dos pais.
E o mais importante: namoro só dentro de casa. Na rua, nem noutro lugar de jeito nenhum, nem que a vaca tossisse e o porco miasse. E não somente isso, pois o encontro amoroso, ainda que dentro da residência da donzela, era envolvido de muitas precauções e estratégias. Afinal de contas – e todo pai sabia disso – era melhor o olho na filha do que a filha na boca do povo.
E assim, após o anoitecer, assim que o café esfriava, lá ia o rapazinho bater ponto na casa de sua amada. Chegava sempre desconfiado, lhe era indicado uma cadeira ao lado de outra e ali sentava ao lado da donzela. Se estar ao lado dela só de bandinha já era um problema para o corpo que só queria outra coisa, agora imagine ter de suportar a noite inteira o pai ou a mãe ali sentado adiante, numa implacável vigilância?
E foi por isso mesmo, porque não suportavam mais ter sem ter, querer apalpar e não poder, dizer e fazer safadeza livremente, ter a liberdade tão peculiar aos namorados e amantes, que essa situação de repente começou a mudar. E de uma hora pra outra não se namorava mais nem se noivava mais, apenas fugia. Isso mesmo, a menina sonsa, donzela com a carne em flor, deitava pra dormir e não acordava mais na cama, pois já tinha ganhado o oco do mundo com o namorado.
Hoje em dia não existe mais isso porque a sexualidade desenfreada permite que a mulher se entregue ao homem antes mesmo de namorar, e não precisa nem ser namorado. Aliás, nem se namora mais, pois a moda é curtir, transar, ficar. Mas naqueles tempos era muito diferente, pois o homem que quisesse experimentar do saboroso fruto da amada sem se submeter aos rigores paternos tinha que enfrentar os perigos de roubar do seio familiar a linda donzela.
Assim, um bilhetinho passado à escondida dizia que naquela noite ela arrumasse a mala que duas horas em ponto ele estaria nos fundos da casa esperando. Daria um pio de ave, que era o sinal da partida. E assim, debaixo da lua dos apaixonados, correndo o perigo dos amantes, os dois ganhavam estrada sem olhar pra trás.
E no outro dia espalhava-se de boca em boca que a donzela foi roubada no meio da noite. E os pais, envergonhados, ficavam muito tempo sem botar a cabeça na porta da rua. Enquanto isso, lá longe, bem longe, o dengo se fazia a dois.
Poeta e cronista
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