ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O TRISTONHO MENTIROSO
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O TRISTONHO MENTIROSO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que numa terra lá por trás das montanhas que ficam por trás de tudo, já bem perto do fim do mundo e mais longe, morava um sujeito com estranhas características.
Já envelhecido, todos os dias era visto no mesmo banco da pracinha, cabisbaixo, conversando com os botões, num jeito entristecido de causar pesar em quem o avistasse daquele jeito. Muitos afirmam tê-lo encontrado chorando por diversas vezes, como se relembranças ferissem seus sentimentos.
O problema é que o velho não sentia nada, absolutamente nada, a não ser uma mania terrível de ficar daquele jeito, todo sofrido e saudosista, choroso que só, no único e exclusivo intuito de se danar a contar mentiras a quem chegasse ali para um conforto ou perguntar o que estava sentindo.
E um chegava e perguntava o que o fazia tão entristecido, e como resposta recebia: “Lembrando da época que meu amigo e compadre Lampião me mandou convidar pra ser seu lugar-tenente no bando. Depois dele, eu é quem ia mandar em tudo, em cangaceiro e coiteiro, tratando até com os coroneis da região. Mas respondi que não podia por causa do que ouvi da boca de uma sereia um dia...”.
E ficava falando sozinho, tecendo suas invenções. Então outro chegava e indagava porque aquela ponta de lágrima no canto do olho. E ele respondia tristonho: “Saudade demais, saudade demais. Até hoje não esqueço as cuias de chimarrão que eu tomava com meu primo Getúlio Vargas lá na estância dele em São Borja. Ainda novo, meninote, de vez em quando Leonel Brizola e sentava em meu colo, pedindo pra eu fazer cafuné...”.
E ficava falando sozinho. E chegava mais outro e questionava porque não colocava um sorriso naquele velho rosto entristecido. E ele respondia: “Como posso me alegrar, se não consigo esquecer a desfeita que fiz com a boa rainha? Não sabia não, nunca ouviu dizer da besteira que fiz com a rainha da Inglaterra? Por causa daquilo me lamento até hoje. Eis que a monarca soube que eu era o melhor tirador de mel do Brasil e mandou um embaixador especialmente aqui para me encomendar um carregamento do legítimo produto da abelha. Passei dois meses no meio do mato enchendo baldes e mais baldes de mel. Engarrafei tudinho e levei pro navio que estava aportado esperando. Duas semanas depois a rainha mandou uma carta dizendo que estava muito entristecida comigo, vez que eu não havia mandado a encomenda completa. E completou dizendo que já que tinha enviado o mel, eu tinha dois dias pra levar a cachaça da boa e os limões. E que eu mesmo fosse fazer as caipirinhas...”.
E ficou falando sozinho. E continuou falando sozinho porque ninguém estava mais disposto a ouvir tanta mentira.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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